Fonte das 3 bicas

 

… Chafariz Grande ou Fonte das Carrancas 

 Fonte Grande a fornecer
água fresca noite e dia
Quem desta água beber
Nunca mais sai de Leiria
(Horácio Eliseu)

A Fonte Grande, também conhecida por Fonte das 3 Bicas, Chafariz Grande ou ainda Fonte das Carrancas [1], é uma fonte barroca do século XVII, com uma bacia central, três carrancas clássicas, e dois bebedouros para animais. Na frente destaca-se um varandim com polilóbulos [2] e com uma estátua de Santo António ao centro.

É indiscutível a importância das fontes e fontanários que, no passado, foram a base do abastecimento de água de toda a população. Em 1811 procedeu-se ao “conserto dos chafarizes e canos de água da Fonte” (Cabral, J. 1993). Esta necessidade de assegurar a qualidade da água das fontes está bem patente na deliberação da Câmara Municipal [3] em 1818 que definiu uma pena de cadeia de mil réis [4] para quem fizesse mau uso da água, “metade para o concelho e outra metade para o denunciante”. Três anos mais tarde, em 1821, “foi resolvido afixar editais para nenhuma pessoa ir lavar coisa alguma à Fonte Grande, …, com pena de condenação” (Cabral, J. 1993).

Por esta época (século XIX), a Fonte Grande tem um enquadramento urbano de excelência, em frente à Ponte dos Três Arcos e junto à estrada nacional que ligava Lisboa e Porto.

Atualmente, em frente à Fonte Grande, podemos ver embutido no muro do rio Lis uma pedra de armas onde existiu a Ponte dos Três Arcos encimada por uma esfera armilar [5]. Segundo alguns, esta esfera armilar terá vindo da Fonte Grande. Segundo outros, é a que encimava o pelourinho que existia na Praça de São Martinho, atual Praça Rodrigues Lobo.

A Ponte dos Três Arcos já existiria no século XIV e foi deitada abaixo em 1902. Em 1882, foi considerada urgente a necessidade do arrasamento da ponte por se crer que os seus arcos não suportariam a força das águas das cheias, o que levaria a grandes inundações. Após a sua destruição, foi construída no seu lugar uma ponte provisória de madeira conhecida como Ponte de Pau. Esta ponte de Pau, por sua vez, foi demolida depois da construção e abertura ao público da Ponte Afonso Zúquete [6]. Havia uma rampa de acesso à ponte de Pau que, depois do calcetamento e construção de passeios na Rua Tenente Valadim, foi substituída por umas escadas (com algumas similitudes com as atuais escadas de acesso à nova ponte pedonal El-Rei D. Dinis).

Aquando da construção da Ponte Afonso Zúquete procedeu-se ao alteamento do pavimento do Largo Alexandre Herculano e da Rua Tenente Valadim. Em consequência, a Fonte Grande ficou com um nível mais abaixo do referido Largo. Atualmente, a fonte apresenta três degraus à vista, estando outros tantos soterrados.

Não foi só por esta zona da cidade que se verificou um alteamento do nível do solo. No ano de 1600, a 21 de dezembro, houve uma grande cheia que inundou Leiria com cerca de 1,5 metros de altura no Largo Paio Guterres (Largo do Gato Preto) “de acordo com uma inscrição que está na primeira casa da Rua Acácio de Paiva a entestar com aquele largo, cujos dizeres são: EM DIA DE SÃO TOMÉ DE 1600 DEU POR AQUI A ESPANTOSA CHEIA” (Cabral, J. 1993) [7]. A pedra encontra-se agora a cerca de meio metro do solo, o que mostra que o mesmo subiu cerca de um metro desde essa altura.

Os rios sempre desempenharam um papel importante na vida das populações e muitas vezes foram criados belos poemas para os descrever, como é o caso dos seguintes versos sobre o rio Lis, do poeta leiriense Francisco Rodrigues Lobo [8].


Fermoso rio lis, que entre arvoredos
Ides detendo as águas vagarosas,
Até que umas sobre as outras, de invejosas,
Ficam cobrindo o vão destes penedos;

Como se pode depreender dos Anais do Município de Leiria, não se conhece exatamente a origem do nome Lis. Sabe-se que o rio se chamava Heirena, “como se vê no foral de Leiria, dado por D. Afonso Henriques em 1142” (Cabral, J. 1993). Segundo a mesma fonte, com o decorrer dos séculos, o rio “surgiu baptizado de Rio das Cortes ou Rio de Ulmar” acompanhando também a ideia da criação da palavra Lis “pelo bucólico poeta leiriense”.

Durante vários séculos, Leiria debateu-se com grandes cheias registando-se as maiores nos anos de 1475, 1596, 1612, 1646, 1886 e 1902, chegando a última à altura de 2 metros.

Na tentativa de atenuar os efeitos devastadores provocados pelas cheias, no século XVII, início do século XVIII, a Casa do Infantado [9] mandou corrigir o leito do rio, sendo a verba para esta obra de 4 contos de réis.

Várias pontes têm vindo a atravessar o rio Lis. Resultante do Programa Polis, iniciado em 2006, foram construídas 6 pontes pedonais na cidade.

Pontes pedonais construídas no âmbito do Programa Leiria Polis:

  1. Ponte Parque Infantil [10] – próximo do Mercado Municipal;
  2. Ponte Bar – nas traseiras do Museu de Leiria;
  3. Ponte Balção – nas traseiras do Convento de Santo Agostinho;
  4. Ponte Piquenique – junto ao parque das Olhavas;
  5. Ponte Sofá – junto ao parque de São Romão;
  6. Ponte El-Rei D. Dinis – liga a rua Tenente Valadim ao jardim Vala Real e o largo da Antiga Ponte dos Três Arcos. A inauguração aconteceu pelas 21h30 do dia  21 de agosto de 2013 e contou com a ajuda dos participantes das caminhadas e das corridas do Brisas do Lis Night Run, que atravessaram a ponte ao mesmo tempo que praticavam exercício.

Lenda dos rios Lis e Lena

Nasceu o rio Lis junto a uma serra
No mesmo dia em que nasceu o Lena;
Mas com muita paixão, muita Pena
De seu berço não ser na mesma Terra

Andando, andando alegres, murmurantes,
Na mesma direção ambos corriam;
Neles bebendo as árvores chilreantes
Cantavam esse amor que ambos sentiam

Um dia já espigados, já crescidos
Contrataram casar, de amor perdidos
Num domingo, em leiria de mansinho …

Mas Lena, assim a modo envergonhada
Do povo, foi casar toda enfeitada
Com o Lis mais abaixo um bocadinho

Marques da Cruz
1888 – 1954

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Referências:

Cabral, J. 1993. Anais do Município de Leiria, Volume 1, 2.ª Edição da Câmara Municipal de Leiria.

Gonçalves, A. S. 2010. Leiria – As Fontes, o Rio Lis e as suas Pontes. Edição: Junta de Freguesia de Leiria.

Margarido, A. P. 1998. LEIRIA história e morfologia urbana, Edição da Câmara Municipal de Leiria.

Verdelho da Costa, L. 1988. Cidades e vilas de Portugal – Leiria, Editorial Presença.

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[1] Carranca: ornato escultórico constituído por cara de feições grotescas; cara feia.

[2] Lóbulo: segmento de círculo usado como elemento decorativo.

[3] “… tendo-se limpo a Fonte Grande e posta na forma de se aproveitar a água com limpeza e para se conduzir aos tanques por causa de se lavar na mesma pia e nos tanques hortaliças e roupas e até mesmo peixe, determinaram que se passasse edital e se fixasse na dita fonte … e que toda a pessoa que for compreendida no que o edital determina pagará em pena de cadeia mil réis metade para o concelho e outra metade para o denunciante” (Cabral, J. 1993).

[4] No século XIV o real foi a unidade monetária de Portugal que substitui o dinheiro à taxa de 1 real igual a 120 dinheiros. O real foi popularizado pelo termo réis e esteve em vigor desde cerca de 1430 até 1911, altura em que a unidade monetária portuguesa passou a ser o escudo, 1000 réis é igual a 1 escudo.
A 1 de janeiro de 2002, a unidade monetária de Portugal, juntamente com mais outros 11 países estados-membros da União Europeia, passa a ser o Euro com 1 Euro igual a 200,482 escudos.

[5] Esfera armilar: esfera com anéis ou armilas utilizada como representação do universo. A esfera armilar foi adotada como emblema pessoal de D. Manuel I (1495-1521), está presente na Bandeira Nacional e consagra a epopeia marítima portuguesa.

[6] Afonso Veríssimo de Azevedo Zúquete (1883-1921) nasceu em Leiria, formou-se em Filosofia e em Engenharia Civil, foi professor do Liceu e Presidente da Câmara Municipal de Leiria.

[7] Acácio de Paiva (1863-1944), poeta nascido em Leiria e licenciado em Farmácia na Escola Médico-cirúrgica do Porto em 1887.

[8] Francisco Rodrigues Lobo (1579-1621) nasceu em Leiria, estudou na Universidade de Coimbra onde se formou em Direito (In www.portaldaliteratura.com).

[9] A Casa do Infantado foi criada a 11 de agosto de 1654 por ordem do rei D. João IV (1604-1656), destinava-se aos filhos segundos dos monarcas.

[10] A ponte Parque Infantil está equipada com mobiliário de parques infantis da autoria de famoso arquiteto holandês Aldo Van Eych (1918-1999) – um dos protagonistas mais influentes do movimento arquitetónico do estruturalismo (movimento de arquitetura e planeamento de meados do século XX).