Rodilha

Porquê uma rodilha no centro da cidade?

Esta escultura de arte contemporânea, inaugurada em 2003, materializa o objeto que durante muitos anos foi usado pelas vendedoras que carregavam produtos à cabeça, a fim de os comercializar no Mercado de Santana.

Esta útil almofada, também designada por “sogra”, era muitas vezes feita pelas próprias, com tiras de trapos, lãs e linhas de bordar, entrançadas de forma particular.

O Mercado de Santana

Onde hoje encontramos o Mercado de Santana, ou Mercado de Sant’Ana, funcionou em tempos (1498) um mosteiro dominicano feminino, o Convento de Santa Ana. Em 1880, o convento é extinto e, passado alguns anos, em 1915, a Câmara Municipal de Leiria passa a ser proprietária do mesmo. Quando um incêndio, ocorrido em 1916, destrói o edifício, este espaço é repensado e surge a ideia do mercado da cidade passar a ser neste local. Foi Ernesto Korrodi o responsável pelo projeto, cuja obra foi iniciada em 1924, com inauguração em 1931.  Assim, o mercado que tinha lugar na Praça Rodrigues Lobo passa a funcionar no Mercado de Santana.

Em 1958 deliberou-se que seria edificado um novo edifício para o mercado da cidade e, por esta razão, o espaço chegou a ser usado para outros fins, até que, em maio de 1999, é publicado em diário da república o contrato‐programa que prevê a recuperação, remodelação e equipamento para atividades culturais do ex‐Mercado de Santana. Durante as obras foram encontradas estruturas diversas, tais como azulejos datados do século XVI, partes da cerca conventual, entre outras.

O renovado Mercado de Santana foi inaugurado a 28 de Julho de 2003, para proporcionar aos cidadãos várias atividades de carácter cultural e recreativo.

Em 2011, o espaço é oficialmente classificado como Monumento de Interesse Público.

A matemática da rodilha

A escultura da rodilha é um dos elementos presentes na cidade de Leiria que mais evoca a matemática. O seu formato, semelhante ao de um donut, pode associar-se a um objeto matemático chamado toro [1].

Este objeto matemático é topologicamente equivalente a uma caneca, dado que, se imaginarmos que este é feito de um material maleável, é possível deformá-lo até que este assuma a forma de uma caneca (sem fazer qualquer buraco adicional).

A Topologia é uma área da matemática que estuda este tipo de equivalência, analisando a estrutura dos objetos para além do seu tamanho ou formato. Se for possível “transformar” determinado objeto noutro, analisando-os como se fossem feitos de material maleável, estes dizem-se equivalentes.

Talvez possa parecer a um “não matemático” que a Topologia não tem qualquer aplicação na vida real. George Garnow, físico russo, anteviu algo semelhante em meados do século XX: que a Topologia nunca seria aplicada à Física. Hoje, passadas apenas algumas décadas, podemos dizer esta ideia está longe da verdade, uma vez que a topologia se aplica em muitas áreas da Física. Prova disto é o trabalho desenvolvido pelos prémios Nobel David Thouless, Duncan Haldane e Michael Kosterlitz. A Academia Sueca premiou estes três físicos “por descobertas teóricas sobre transições de fase topológicas e fases topológicas da matéria”, sendo que “as suas descobertas permitiram avançar na compreensão teórica dos mistérios da matéria e criaram novas perspetivas para o desenvolvimento de materiais inovadores”, comunicou a Fundação Nobel em 2016. Entre as potenciais mais-valias destes novos materiais, encontram-se duas: estes mantêm a sua estabilidade e utilizam muito menos energia elétrica.

Um convite…

A rodilha deixa um convite a quem por ela passar: recordar que, em Matemática, ainda há muito por descobrir, muito por estudar. Isto porque esta ciência está longe de estar fechada.

Basta pensar nos problemas em aberto, propostos pelo Clay Mathematics Institute, cuja resolução tem como prémio um milhão de dólares.

Seis destes problemas permanecem por resolver, dado que um dos sete propostos inicialmente, designado por Conjectura de Poincaré [2], foi resolvido em 2002 por Grigori Perelman, o matemático russo que recusou a Medalha Fields [3] em 2006 e que também nunca reclamou o prémio!

É sempre possível tentar, mas fica o aviso: “Quem não pode com o pote, não pega na rodilha”!

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Referências:

Cabral, J. 1993. Anais do Município de Leiria, Volume 1, 2.ª Edição da Câmara Municipal de Leiria.

Direção Regional de Cultura do Centro
http://www.culturacentro.pt/museuit.asp?id=123

Património Classificado e em vias de Classificação
http://www.cm-leiria.pt/uploads/document/file/801/44298.pdf

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[1] Em geometria, o toro pode ser definido como o lugar geométrico tridimensional resultante da rotação de uma superfície circular plana de raio r ao longo de uma circunferência de raio R.

[2] “Toda variedade fechada simplesmente conexa de dimensão 3 é equivalente à esfera 3-dimensional”.

[3] Prémio concedido a cada quatro anos, no Congresso Internacional da União Internacional de Matemática, a matemáticos que tenham feito contribuições muito importantes para a Matemática. É considerada por muitos equivalente ao “Prémio Nobel da Matemática”, dado que esta ciência não foi considerada como categoria nos Prémios Nobel.