Núcleo 2 – Fábrica Belo

Fábrica Belo

 

O projecto de reconstituição de uma imaginária biblioteca de um ceramista industrial remonta a uma situação concreta. Em 1985, estando prestes a encerrar as suas portas a Fábrica Belo, um dos membros da sua direcção, Paulo Nascimento, convidou-me a visitar os escritórios da empresa. Atraído por um pequeno conjunto de livros, alguns deles manuscritos, que se encontravam na prateleira da escrivaninha, pedi tempo para anotar em forma de inventário muito sumário o que ali pude observar. A minha esperança era que, com um possível depósito dessas obras em museu ou biblioteca públicas, eu as pudesse mais tarde revisitar. Infelizmente, tal não foi possível, até hoje.

As origens da Fábrica Belo remontam aos finais do século XIX. O seu fundador, Avelino Soares Belo, nascido em 1872 na Murtosa, foi aluno da Escola Industrial caldense, no âmbito do protocolo de formação atrás referido. A aprendizagem fabril revelou um ceramista hábil no desenho e competente na técnica, nomeadamente na modelação, que acompanharia Rafael Bordalo na sua aventura artística artesanal, após a crise e abandono do projecto industrial da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, no princípio da década de 1890.

Em 1896, deixa porém a companhia de Bordalo e passa a trabalhar numa pequena oficina, denominada Ateliê Cerâmico,  que o Visconde de Sacavém criara para apoiar a instalação do seu palacete nas Caldas da Rainha (actual edifício do Museu de Cerâmica). Em 1899, Avelino estabelece-se por conta própria, fundando o que também designou inicialmente por Ateliê Cerâmico,  entre a rua das Olarias e a Rua da Fé (hoje Rua Avelino Belo). Morreu tragicamente em 1927, sendo a empresa continuada por seu filho José, um ceramista com uma sólida preparação, que assegurou ao longo de décadas um dos fabricos mais evoluídos tecnicamente da cerâmica tradicional caldense José Belo herdou do pai talento, a curiosidade e o gosto pela inovação. Está, lamentavelmente, por estudar o património cerâmico que a Fábrica Belo legou.

Avelino Belo tirou partido aprendizagem realizada na escola, com os mestres de desenho e química, nomeadamente Carl von Bonhorst. Era um espírito inquieto, estudioso, que acreditava nas virtudes da investigação. Nas instalações da sua oficina, criou um laboratório. Em 1923, quando constituiu a empresa “Avelino Soares Belo & Filhos”, deixou de fora do património da sociedade o seu laboratório, com o respectivo “mobiliário, produtos químicos, minerais e cerâmicos”. E compreende-se essa reserva: Avelino Belo queria fazer por esse laboratório a colocar produtos no mercado das oficinas cerâmicas caldenses. Num anúncio que em Abril de 1966, fez publicar na Gazeta das Caldas, informava que a sua Fábrica de Faianças Artísticas enviava amostras e orçamentos sobre pedidos relativos a “massicote moído muito fino”, ou seja, óxido de chumbo, “vidro de oleiro pronto a empregar para manilhas e louças de uso caseiro”, informando que o vidro era “moído em moinho a tambor movido a força motriz” eléctrica.

O lote de livros que arrolei em 1985 ilustra a forma como a direcção da Fábrica sistematizou conhecimentos, adquiriu manuais sobre aspectos técnicos do fabrico cerâmico e construiu os seus próprios livros de notas, com fórmulas e dosagens dos materiais necessários à produção corrente. Os 10 cadernos manuscritos tinham os seguintes títulos: A fabricação de esmaltes e a esmaltagem; Pintura em vidro, porcelana e esmalte; Cobalto; Cobre; Cores; Majólicas – Pastas e Fritas; Ouro e Lustres Metálicos; Pastas; Vidros e vidrados; Livro de empreitadas.

O único que pudemos trazer a esta Exposição é o Livro de Empreitadas, em depósito no Museu de Cerâmica. Nele Avelino Belo anotou os trabalhos, com descrição de peças, por semana e dias de semana. Principia com a referência ao Jarrão de José Relvas (semana de 1 a 7 de Setembro de 1895) e termina na semana de 1 a 7 de Janeiro de 1899.

Da Biblioteca destes ceramistas, Avelino e José, Pai e Filho, faziam parte, além de alguns pequenos manuais da Biblioteca de Formação Profissional (um sobre Indústria do Vidro, outro sobre Indústrias Plásticas, o livro sobre Modelação e Ornato e sobre Materiais de Construção), diversos tratados de Química, o livro de Jacquemart, um dos pioneiros da história da cerâmica: Les merveilles de la céramique (4ª ed., Paris, 1883).

Entre as obras mais antigas deste acervo, encontravam-se umas Leçons de Céramique de Alphonse Salvetat, de 1857. Salvetat foi professor de uma das mais prestigiadas escolas de engenharia da época, a École Centrale des Arts et Manufactures, fundada em 1829, onde leccionou Tecnologia Química e Cerâmica, tendo publicado os manuais de apoio ao ensino que ministrava. Em 1852, Salvetat deu a conhecer as suas investigações sobre o fabrico e decoração da porcelana chinesa, a solicitação da Manufacture Nacional de Sèvres.

O mais antigo manual de Química do conjunto pertencente aos Belos era a 2º edição da Chimie Elementaire de A Bouchardat, 1845. Apollinaire Bouchardat foi um químico que fez carreira na área farmacêutica. As obras mais recentes deste domínio não ultrapassam no entanto a década de 1920., pelo que presumo terão sido todas adquiridas por Avelino Belo.

Do acervo reunido neste núcleo fazem parte diversos Relatórios sobre a actividade industrial cerâmica portuguesa publicados nos finais do século XIX e primeiras décadas do século XX.

Uma nota especial é devida ao Relatório assinado por Charles Lepierre, um engenheiro químico francês que se radicou em Portugal na sequência do concurso aberto para recrutamento de professores para o ensino industrial. Em 1889, prestava então serviço em Coimbra, na Escola Industrial, quando o director do Museu de Sèvres lhe solicitou o envio de amostras de argilas portuguesas. Lepierre visitou, um a um, os diversos centros de produção cerâmica portugueses, anotou os equipamentos em utilização, recolheu amostras de pastas e analisou-as. O seu Relatório é uma obra ímpar sobre a cerâmica portuguesa do século XIX, com informação preciosa e única.

 

Avelino Soares Belo

 

Anuncio da Belo

 

SALVETAT, H. [Alphonse Hippolyte] – Produits hydrauliques, céramique, verrerie. Prefácio de M. H. Le Chatelier; direção da coleção C. Chabrié. Paris [etc]: Librairie Polytechnique Ch. Béranger, 1920. [6], xx, 535 p. (Encyclopédie de science chimique appliquée aux arts industriels. 8)

 

LEPIERRE, Charles – Estudo químico e tecnológico sobre a cerâmica portuguesa moderna. Lisboa: Imprensa Nacional, 1899. 241 p.

 

Fábrica José Belo anos 40

 

Espécies Bibliográficas:

1 – DEMMIN, August – Histoire de la céramique en planche phototypiques inaltérables (Éd. 1875). [Paris]: Hachette Livre: BNF, 2013. 422 p. (Vol.1) (Arts : Généralités). Edição fac-similada. Complemento de título da edição original – Avec texte explicatif: L’Asie, L’Amérique, L’Afrique et L’Europe par ordre chronologique

2 – DEMMIN, August – Histoire de la céramique en planche phototypiques inaltérables (Éd. 1875). [Paris]: Hachette Livre: BNF, 2013. 392 p. (Vol.2) (Arts : Généralités). Edição fac-similada. Complemento de título da edição original- Avec texte explicatif: L’Asie, L’Amérique, L’Afrique et L’Europe par ordre chronologique

3 – SALVETAT, H. [Alphonse Hippolyte] – Produits hydrauliques, céramique, verrerie. Prefácio de M. H. Le Chatelier; direção da coleção C. Chabrié. Paris [etc]: Librairie Polytechnique Ch. Béranger, 1920. [6], xx, 535 p. (Encyclopédie de science chimique appliquée aux arts industriels. 8)

4 – GRANGER, Albert – La céramique industrielle : Chimie-technologie. Paris: Gauthier-Villars, 1929. x, da 1 à 398 e x p. (Vol. 1) (Bibliothèque technologique)

5 – GRANGER, Albert – La céramique industrielle : Chimie-technologie. Paris: Gauthier-Villars, 1929. [4], da 399 à 920 e [4] p. (Vol. 2) (Bibliothèque technologique)

6 – RIS-PAQUOT, [Oscar-Edmond] – Faïences, porcelaines et biscuits : Fabrication, caractères, décors. Paris: H. Laurens, [1894]. [4], 243 p. (Bibliothèque d’historie et d’art)

7 – JACQUEMART, Albert – Histoire de la céramique : étude descriptive et raisonnée des poteries de tous le temps et de tous les peuples. 2ª ed. Paris: Librairie Hachette, 1884. [4], 750, [2] p.

8 – JAVET, Émile – Chimie. 54ª ed. Paris: Dunod, 1935. xl, 400, xcvi p. (Agenda Dunod 1935)

9 – LEDUC, E.; CHENU, G. – Matériaux de gros-oeuvre : pierres, produits céramiques. Direção da coleção M. F. Bordas e M. Eugène Roux. Paris [etc]: Librairie Polytechnique Ch. Béranger, 1913. [28], 285, [15] p. (Manuels pratiques d’analyses chimiques a l’usage des laboratoires officiels et des experts)

10 – BOUCHARDAT, A. – Chimie élémentaire : Avec ses principales applications aux arts et a l’industrie. 3ª ed. Paris: Germer Baillière, 1848. xii, 600 p. (Cours des sciences physiques. Chimie)

11 – GEYMET, Théophile – Traité pratique des émaux photographiques (Éd. 1885). [Paris]: Hachette Livre: BNF, 2014. xii, 161, [18] p. (Savoirs et Traditions : Généralités). Edição fac-similada. Complemento de título da edição original – Secrets, tours de mains, formules a l’usage de photographe émailleur sur plaques et sur porcelaine. Coleção da edição original – Bibliothèque photographique

12 – JEAN, René – Les arts de la terre : Céramique, verrerie, émaillerie, mosaïque, vitrail. Direção da coleção M. Henry Marcel. Paris: H. Laurens, 1911. [4], 480 p. (Manuels d’histoire de l’art)

13 – FRANCHET, Louis – La fabrication industrielle des émaux et couleurs céramiques. Paris: Revue des matériaux de construction, 1911. vi, 188 p. Edição fac-similada sem indicação da nova edição

14 – LEPIERRE, Charles – Estudo químico e tecnológico sobre a cerâmica portuguesa moderna. Lisboa: Imprensa Nacional, 1899. 241 p.

15 – PORTUGAL. Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria. Direção Geral do Comércio e Indústria. Repartição do Trabalho Industrial – Estudo sobre o estado atual da indústria cerâmica na 2ª circunscrição dos serviços técnicos da indústria. Lisboa: Imprensa Nacional, 1905. 168, [2] p.

16 – Exposition universelle de Paris en 1889 : Catalogue officiel des sections portugaises. Paris: Imprimerie de la Société anonyme de publications périodiques, 1889. x, 643 p.

17 – BELO, Avelino – [Diário de Avelino Belo]. Jul. 1895 a Jan. 1899. Acessível no Centro de Documentação do Museu da Cerâmica das Caldas da Rainha

Deixe um comentário