Adelino Gomes

Jornalista

Com experiência em jornais, rádio e televisão, o atual provedor do ouvinte da RDP explica porque escolheu o jornalismo como profissão. E, sobre o que lhe falta fazer, diz: “Tudo”.

 

Já foi correspondente de guerra. Nas guerras que cobriu, tanto em Angola como em Timor, sentiu alguma vez que a sua vida corria perigo?
Senti em ambos os sítios, mas sobretudo em Timor. Na noite de 15 para 16 de outubro de 1975 e ao longo dos três dias seguintes senti que havia o início de uma invasão e que a minha vida estava em perigo.


O que é mais difícil no trabalho em cenários dessa natureza?
É conseguir perceber para onde nos devemos movimentar. Numa guerra há uma interação entre os que dão tiro e os que respondem. E onde é que o jornalista deve estar? Por um lado, para não levar um tiro, mas, por outro, para ver os tiros que são dados. O jornalista tem de ter uma visão mais ampla, tem de ver a floresta e não apenas a árvore.


O jornalismo tem a devida importância na construção histórica?
Como o jornalismo se faz, escreve, produz, narra ao mesmo tempo que a realidade se desenvolve, às vezes ele interfere na realidade. Há um jornalista que disse “o drama de um repórter é que o repórter fala, tem que falar, da guerra, da paz, da alegria, da tristeza, enquanto as lágrimas caem dos olhos das pessoas, enquanto as pessoas são felizes”. Dizia ele: “o jornalista nada num mar de paixões”. O jornalista conta uma história que ainda se está a desenvolver, cujo resultado desconhece.


Houve reportagens em que sentiu dificuldade em distanciar-se emocionalmente dos acontecimentos?
Sim, muitas. Nós, enquanto jornalistas, temos sempre coração. Estamos é treinados, exigimos pôr o coração e o sentimento entre parêntesis. O jornalismo é um ato de humanidade e, nesse sentido, o que é necessário é aprendermos técnicas que permitam ser-se pessoa e jornalista em simultâneo. E é desta conjugação que nasce o jornalismo. Nasce do coração, mas também da razão. Há dois ou três anos, em Timor, estava a trabalhar numa reportagem para o jornal Público e houve parágrafos que escrevi a chorar, mas não deixei de escrever. E ninguém percebeu que estava a chorar.


Se fosse um “médico jornalista” como analisaria o estado da comunicação social portuguesa?
Estava próximo do coma. Mas, se fosse médico, diria que é sempre possível salvarmo-nos mesmo quando a doença é complicada. A imprensa escrita está em risco de vida. E é uma pena, do meu ponto de vista. Uma crise da imprensa escrita é uma crise do jornalismo em geral. A rádio está a tornar-se menos relevante do que foi e a televisão está a sofrer uma tendência de aligeiramento na informação – o chamado infotainment – e, conjuntamente com o fenómeno da internet, o velho paradigma a que estávamos acostumados da informação tradicional está em crise. Dela o jornalismo pode emergir doente, agónico, morto, ou pode ressuscitar, espero que ressuscite e encontre um novo caminho. O jornalismo não vai ser o mesmo que era no passado.


O que pensa funcionar menos na democracia portuguesa?
A morosidade e a falta de justiça. Hoje em dia pensa-se que há a possibilidade de se cometer crimes, nomeadamente os de “colarinho branco”, sem que sejam condenados ou julgados com justiça pelos tribunais. Também há falta de uma igualdade económica. Apesar de nascermos todos com os mesmos direitos perante a Lei, na verdade não temos direito ao pão, habitação ou emprego. Esta democracia económica não foi conseguida com o 25 de Abril.

“Enquanto jornalistas
temos sempre coração”

Já trabalhou em imprensa, rádio e televisão. Que meio mais aprecia?
Imprensa escrita. Também gosto de rádio, e é aquele a que estou ligado historicamente, foi na rádio que comecei. É o meio mais pobre e o mais difícil. Apenas através da voz temos de conseguir que a mensagem seja transmitida, entendida e atrativa para os ouvintes. A televisão é o meio de maior impacto. Ou as pessoas têm telegenia ou não. O mais difícil é a imprensa escrita. Em primeiro lugar porque está em crise, em segundo porque exige raciocínio e inteligência, as pessoas têm de ter vontade de ler e nós temos de contar uma história. É, hoje, o meio de comunicação mais exigente, o último a chegar às pessoas. Significa que todo o nosso esforço deve estar na capacidade de sabermos narrar bem o acontecimento, narrar uma história de uma forma que seja aliciante.

 

Tem também várias experiências no ensino. Qual a mensagem mais importante sobre a profissão que faz questão de deixar aos seus alunos?
É uma matéria da qual, mesmo quando se é doutor, nunca se sabe tudo. Temos de fazer todos os dias a revisão da matéria dada. Há doutores em jornalismo, porque têm doutoramento, mas o doutoramento é feito todos os dias no terreno. Os que estudam jornalismo devem ter consciência que o jornalismo vai ser uma constante aprendizagem. O jornalismo trata da novidade. Há uma aprendizagem constante nesta profissão.

 

Hoje em dia os jornalistas saem do ensino superior bem preparados para o mercado de trabalho?
Saem mais bem preparados do que nós. Hoje já há formação específica. Defendo, ao contrário de muitas pessoas, que o jornalismo está melhor do que no passado. O que acontece hoje é que ficamos indignados quando um licenciado comete um erro.

 

Ocupa atualmente o cargo de provedor do ouvinte, na RDP. Que reclamações lhe surgem com mais frequência?
Apresentei há dias um relatório destes primeiros sete meses. A maior parte das reclamações são contra ou a propósito de situações que se passam na Antena 1. A segunda razão de queixa é relativa à Antena 2 e a terceira sobre desporto. Há também algumas reclamações relacionadas com a informação.

 

Os portugueses são espectadores, leitores, ouvintes críticos?

[risos] Os portugueses são complicados. Como provedor do ouvinte recebo muitas mensagens, as é uma ínfima parte daqueles que ouvem. Logo, diria que, mesmo sendo muitos os leitores e espectadores, são poucos os que participam.

 

Tem um percurso profissional extenso e variado. O que lhe falta fazer?
[risos] Tudo! Reportagem, sobretudo reportagens. Nós em Portugal somos enviados especiais intermitentes e senti sempre falta de poder ser enviado especial durante cinco anos seguidos. Gostava de fazer uma revisitação dos lugares e das pessoas que entrevistei para escrever outra vez a história delas.

 

Que memórias guarda de Leiria?
São memórias grandes. Nasci nos Marrazes. Guardo memórias futebolísticas entre os jogos do [Sport Clube] Leiria e Marrazes e o União [Desportiva] de Leiria. Conheci a minha esposa no liceu. Continuo a ir a Leiria de vez em quando. É uma terra a que me sinto ainda ligado, embora não acompanhe o dia a dia, mas sou um leiriense. Nós somos sempre da terra onde nascemos, mesmo quando estamos afastados.

 

O que o levou a ser jornalista?
O desejo de estar em todo o lado onde alguma coisa de interessante se passa. A vontade de ser porta-voz de anseios, queixas, súplicas de quem não tem outra maneira de chegar para lá da sua rua e dos seus conhecidos. O gosto pelo desafio de viver e relatar ao mesmo tempo, para os meus contemporâneos, o tempo em que vivo. A ambição de exercer um ofício em que autonomia, independência e responsabilidade constituem as palavras-chave.

 


Akadémicos 34 (26 de março de 2009)
Entrevista por:
Tiago Gomes e Andreia Antunes