Gonçalo Cadilhe
Jornalista e Cronista de viagens
Gonçalo Cadilhe há 17 anos que viaja pelos quatro cantos do mundo. Rejeita o rótulo de aventureiro, mas já visitou os cinco continentes apenas com uma mochila às costas. Escreve, semanalmente, uma crónica das suas experiências no jornal Expresso, tendo também editado vários livros.
É formado em gestão de empresas mas optou pelo jornalismo, escrevendo as suas aventuras pelo mundo. Porquê essa escolha?
Com 14 ou 15 anos, ainda não se sabe o que se quer fazer da vida. Na altura, para ficar na mesma escola que os meus amigos, tive de escolher contabilidade. Por isso, entrei na universidade para a licenciatura de gestão de empresas. Rapidamente percebi que não era uma coisa que me interessava. Ainda estive sete meses a trabalhar como gestor de empresas, mas fiquei ainda mais convencido que não era por aí. Escolhi então essa ideia romântica de andar com uma mochila às costas à volta do mundo, a fazer um pouco de tudo o que me aparecia pela frente. Era uma ideia com consistência literária, pois os autores que eu gostava na minha juventude, como Hemingway, também fizeram um bocadinho de tudo até serem escritores. Via isso quase como um ritual de passagem. E tive sorte porque fui dos primeiros em Portugal a fazer isso.
Como iniciou a atividade de jornalista?
Fui batendo porta à porta. Queria publicar as crónicas das minhas viagens. Tinha já algum talento a escrever, o que me ajudou. A primeira revista que me aceitou foi a Grande Reportagem, do Miguel Sousa Tavares. Depois, a pouco e pouco, foram aparecendo mais revistas e fui formando o que se pode chamar de minha carreira.
Para além das leituras dos autores de que gostava, houve mais alguma coisa que lhe desse esse espírito de aventura?
O facto de a minha juventude ter sido nos anos 70, numa cidade como a Figueira da Foz, uma cidade aberta, onde se estava sempre nos parques, na praia, na serra e onde os meus pais não estavam preocupados em saber onde andava, porque toda a gente se conhecia, ajudou. Mas também andei nos escuteiros, praticava surf… Foi todo um conjunto de coisas que consolidou este espírito aventureiro.
Como é que financiou a sua primeira viagem?
Quando estava ainda na faculdade, em 1991, participei num concurso literário para jovens. Concorri com dois trabalhos. Um em meu nome e outro no nome de um amigo meu [risos]. Ganharam os dois. Os dois prémios juntos deram-me dinheiro suficiente para, nas férias de verão, ir ao México.
Nas viagens que faz não tem por hábito viajar de avião. Porquê?
Sou um viajante profissional. Para além de viagens, faço projetos. E cada projeto tem a sua condicionante e o seu fio condutor. Se a ideia é dar a volta ao mundo sem apanhar aviões, de facto não os apanho. Mas se falarmos de um projeto em que o objectivo é seguir a vida do Fernão de Magalhães, e se eu quero ir à Micronésia, não vou embarcar numa nau de 1500 para lá chegar a partir do Chile. E é obvio que quando se trata de conhecer bem um itinerário, que é prioritariamente o meu objectivo, não faz sentido andar de avião. Há quem diga que tenho medo, mas não é verdade.
Está constantemente a sair do país para cumprir os seus projetos. Pode dizer-se que não tem uma rotina normal, um dia a dia igual a uma pessoa com uma vida dita estável?
Já são 17 anos assim, nem penso nisso. Qualquer coisa que se faça durante 17 anos torna-se uma rotina. Já me parece tão rotineira a vida que levo, como a um empregado de escritório lhe parece a sua.
“Escolhi essa ideia romântica de andar com
uma mochila às costas à volta do mundo”
Quando chega a um país diferente qual é a primeira coisa que procura?
Vivo de sensações imediatas e cada país tem a sua característica. E eu não procuro, as coisas caem-me em cima. Por exemplo, ao chegar a um país dos trópicos sinto logo aquele bafo de calor húmido. Reparo no clima. Mas, se chegar à China, a primeira coisa em que reparo é nos olhos em bico das pessoas. Cada caso é um caso.
Percorreu África de Sul a Norte. A realidade do continente choca-o?
O que me choca é ver as imagens que passam na televisão. Essa questão de África ser subdesenvolvida somos nós que a vemos dessa maneira. Posso dizer que claro que há coisas bastante duras em África, como infraestruturas degradadas e coisas do género. Mas África é um continente rico. Existe é um grande fosso entre os ricos e os pobres.
A televisão condiciona a maneira como vemos o mundo?
Claramente. Choca-me a importância que a televisão tem na cultura ocidental. Pensamos o mundo por aquilo que vemos na televisão e essa não é totalmente a realidade. A grande busca no meu percurso tem sido não ser condicionado, ter a pureza do olhar, não ir com preconceitos já predefinidos. Para isso é-me essencial não ver televisão, não ver as notícias porque, aí, só se fala de situações extremas.
Considera-se um aventureiro?
Não, não me considero. Ser aventureiro, definitivamente, não tem nada a ver com viajar e explorar o mundo. Aventura é fazer o que quer que seja quando sabemos que temos quase todas as probabilidades contra nós. Naquilo que faço há muito poucas probabilidades contra mim. É um desporto de massas, milhares de pessoas fazem aquilo que eu faço. O que é, realmente, uma grande aventura é pôr um filho ao mundo e conseguir que ele cresça e encontre um mundo melhor do que aquele que temos agora.
Alguma vez se arrependeu da vida que escolheu?
Há uma frase que diz: não tenho direito de me arrepender daquilo que fiz, só tenho o direito de me arrepender daquilo que não tentei fazer. Chega? [risos]
Quantas línguas fala fluentemente?
As mais fáceis. As latinas: Português, Francês, Italiano e Espanhol. E, claro, o Inglês. Mas o sorriso serve para todo mundo, é uma língua universal.
Como está intelectualmente o nosso país?
Em relação aos anos em que eu cresci, em que tínhamos saído do 25 de Abril, o que chegava, dos adultos aos jovens, era um exemplo de contestação, de intervenção, de empenho, de compromisso, de grandes lutas partidárias. O país estava dividido em ideologias. Portanto, os jovens criaram um ambiente intelectualmente efervescente. Mas, hoje em dia, os adultos já não estão metidos nisso. Estão apenas interessados em bens materiais. Vejo que o país está muito apático. Muito empenhado em ter e mostrá-lo e pouco em ser e vivê-lo.
Que países aconselharia aos jovens portugueses que decidam fazer Erasmus?
Aconselho a irem para os países mais pobres possível. Para que, quando alguém se lembrar de se queixar que somos pobres e que nos falta tudo, pelo menos esses, que estiveram, por exemplo, na Roménia ou na Moldávia, percebam a sorte que é viver neste país.
Lá fora, ainda somos conhecidos como o país do Eusébio e da Amália?
Agora somos o país do Figo e do Cristiano Ronaldo. E é quando somos alguma coisa. Temos de reconhecer que somos muito pequeninos. Talvez se tivéssemos uma pizza, que é um produto mundialmente conhecido. Mas temos os pastéis de bacalhau que não saem daqui. Não temos dimensão. Se estiver na América Latina pensam que sou brasileiro. Lá sabem que toda a gente fala espanhol menos no Brasil, em que toda a gente fala português (até na escola primária sabem isso). Quando digo que sou português associam logo ao Brasil, não têm noção. Mas tenho orgulho em ser português, para o bem e para o mal.
Akadémicos 40 (28 de janeiro de 2010)
Entrevista por: André Mendonça e Filipa Araújo