José Carlos Abrantes

Antigo Provedor do Telespectador da RTP

Aos 66 anos, José Carlos Abrantes é o atual* provedor do telespectador da RTP. Prestes a completar um ano desde a nomeação para o cargo, o professor e investigador da área dos media faz um balanço e fala da importância da proximidade com o telespectador.

 

 Qual o papel de um provedor de uma estação de televisão pública?
O papel do provedor é, sobretudo, estar atento ao que os telespectadores dizem e tentar dar informação, perceber as razões que os levam a fazer críticas, fazer sugestões e fazer elogios. É essa ligação aos telespectadores que é fundamental num provedor. Mas eu diria mais. O provedor recebe muitas mensagens, tem também o Facebook… E eu julgo que o papel do provedor da televisão, como também de outros provedores (eu já exerci a função no Diário de Notícias como provedor de leitores), é tornar públicas as críticas que recebe. E é esse lado que torna o papel do provedor verdadeiramente diferente. Os jornalistas fazem crítica, por exemplo, entre si, mas essas críticas não são públicas, não aparecem ao público.

 Quais as reclamações mais frequentes?
Se tivermos em conta, por um lado a informação e por outro o entretenimento, ou seja, os programas, o número de questões que são levantadas equivalem-se. A informação do telejornal é muito escrutinada porque os telespectadores, como veem muito a informação, estão sempre a fazer observações em relação informação que recebem. Mas também, por exemplo, o concurso O elo mais fraco tem sido uma fonte de constantes reclamações.

E quais as sugestões mais dadas pelos telespectadores?
Os telespectadores têm mais sugestões do que eu posso enumerar. Sugerem que se mudem as horas de programas que dão muito tarde. Dizem que as aberturas dos telejornais são muito longas e, portanto, querem o noticiário com notícias de abertura mais curtas. Algumas pessoas acham que há muito desporto. Outros acham que há muita política. Ainda agora estou a preparar um programa sobre congressos partidários, exatamente porque um telespectador achou que o tempo que foi dado logo na abertura do telejornal à cobertura do congresso foi excessivo.

Que encaminhamento interno é dado às situações que chegam?
Quando eu considero que são coisas que deveriam ser dadas a conhecer aos diretores, eu dou-lhes a conhecer para eles responderem. Há coisas a que não sei responder ou não me quero substituir ao diretor. Se ele tomou a decisão, ele é que tem de me dar indicação do motivo por que tomou a decisão. Quando isso acontece, espera-se pela resposta do diretor e depois responde-se aos telespectadores ou então fazem-se pareceres ou recomendações.

Já presenciou algum caso extremo, em que teve de intervir mais?
Já. De vez em quando, pensa-se em falar com os jornalistas, mas como diretor está sempre disponível para ser ele a responder pelos jornalistas, porque se considera responsável pela emissão, isso até agora não foi necessário. Mas tive também, por exemplo, o caso de uma jornalista da RTP que entrou no programa A voz do cidadão porque tinha feito uma investigação no domínio.

“O papel do provedor é tornar
públicas as críticas que recebe”

É difícil manter uma posição imparcial, dentro da estação?
Não sei se a posição é imparcial, até porque eu tenho de tomar partido. Se as pessoas acham que, por exemplo, as notícias de abertura sobre o despedimento do Domingos Paciência foram exageradas, e se eu considero o mesmo, eu tomo posição a favor daquilo que o telespectador me disse. O que pode acontecer é que eu não tome posição a favor do telespectador quando não considero que há motivo para isso. Mas, depois de pesar as coisas, tomo uma posição e, nesse sentido, não sou imparcial.

 

Quando aceitou a nomeação para este cargo, disse: “procurarei ser ouvidor dos espectadores, dos jornalistas, dos responsáveis dos programas e de organizações especializadas e procurarei ser muito atento às redes sociais e à internet em geral”. Qual o balanço que faz, desde que tomou posse?
É muita coisa ao mesmo tempo. Por exemplo, as redes sociais: eu estou no Twitter e no Facebook, onde tenho uma atividade regular. Já houve grandes discussões no Facebook. E, por exemplo, a questão em que houve mais opiniões dos telespectadores foi a discussão sobre o assunto da tourada. Foi o assunto que motivou mais pessoas a participar, os que são contra e os que são a favor. E julgo estar atento ao que as pessoas me dizem e escrevem. Tenho procurado fazer os programas a partir dos e-mails dos telespectadores e a partir de toda essa reflexão das pessoas que escreveram. Às vezes não é fácil porque há dez e-mails sobre um assunto e nós queremos que uma pessoa fale e ninguém quer falar.

 

Qual a importância da internet e das redes sociais na relação entre o provedor e o telespectador?
Desde o princípio que achei importante para o espectador se exprimir de outras maneiras. Eu, por exemplo, não posso estar no Facebook a responder caso a caso às perguntas que me estão a fazer, mas o Facebook é, de facto, uma possibilidade que os espectadores têm de dizerem o que pensam dos programas, de conversarem uns com os outros e isso acho que tem sido interessante.

 

Em que medida é que a experiência enquanto provedor de um jornal (Diário de Notícias) o auxiliou neste cargo? São realidades diferentes?
São realidades muito diferentes. Por exemplo, no Diário de Notícias não havia distinção entre informação e os programas porque era só informação, quando muito a publicidade, que também é outro domínio. O que é comum é a ideia da crítica pública do jornalismo. E, portanto, o Diário de Notícias ajudou-me a pensar a atividade de provedor nesse aspeto de considerar que o que distingue é exatamente fazer crítica pública do jornalismo, com o auxílio dos telespectadores ou dos leitores.

 

Para além de provedor, que outros projetos tem em mãos atualmente?
Agora parei, porque isto é uma coisa muito ativa, exige muito de mim. Fazer um programa por semana na televisão é uma coisa bastante difícil, complexa. É, aliás, uma das grandes diferenças que tem do Diário de Notícias porque o Diário de Notícias foi uma atividade que eu exerci sozinho, com a ajuda dos leitores. O cargo de provedor do telespectador é completamente diferente porque eu tenho uma equipa de produção para o programa que é composta por duas jornalistas e vários técnicos. É esse aspeto coletivo que é muito diferente do que foi o trabalho no Diário de Notícias.

 

Que outros projetos ainda quer concretizar?
Quando acabar, verei. Mas, quando fui convidado para provedor, estava para fazer alguns projetos no domínio do comentário. Suspendi essa ideia, pelo menos temporariamente.

 

Ultimamente tem-se debatido muito a questão da privatização da RTP. Qual é a sua opinião?
O governo diz que vai privatizar, manifestou uma intenção e até agora é pouco mais do que isso, embora julgue que já se está a trabalhar nessa ideia. Eu fui convidado para provedor do telespectador da RTP 1, RTP 2, África, Memória, Açores e nem me ficaria bem dizer que acho que deve haver uma privatização. Fui contratado para o que existe, e portanto, enquanto isso existir, eu defendo o que existe.

 

E enquanto professor e investigador na área dos media, qual pensa ser o futuro do jornalismo em Portugal?
Acho que vai ser um terreno onde vai ser cada vez mais necessária a afirmação de qualidade. Com a disseminação da produção de informação pelos cidadãos, como é o caso do Facebook, do YouTube, o jornalismo vai precisar, para sobreviver, de vincar a qualidade que esses meios de informação não podem ter. Nesse aspeto, devemos estar otimistas.

 

Que práticas poderiam ser melhoradas?
São muitas. O rigor é uma coisa essencial no jornalismo, tal como a triangulação de fontes… São coisas que parecem simples, mas, a cada momento, os factos continuam a valer.


* à data da entrevista
Akadémicos 57 (03 de maio de 2012)
Entrevista por:
Ana Neves