Mário Augusto

Jornalista

Vinte anos de carreira e mais de duas mil entrevistas realizadas, fazem de Mário Augusto um dos portugueses mais conhecidos entre as estrelas de Hollywood. Um entrevistador nato que foi ‘Sentado no Mocho’.


O Mário é provavelmente o português mais conhecido em Hollywood. Como é conviver com as estrelas?
Se considerarmos que se calhar não há portugueses lá em Hollywood… Pelo menos conheço mais algumas do que o comum dos mortais, mas não sou assim tão conhecido quanto possa parecer. Ao longo dos 20 e tal anos em que faço estas coisas acabei por me aperceber que elas são pessoas perfeitamente normais. Também têm dor de dentes, levam os filhos à escola, às vezes têm de fazer contas à vida. Nunca encarei essas coisas como estando ali a trabalhar com estrelas. Estou a fazer um trabalho, e elas também estão a fazer um trabalho, que é dar uma entrevista, às vezes um bocadinho formatada…


Como foi a sua primeira grande entrevista?
A primeira de todas foi em Portugal. Foi a um ator ou a realizador francês que veio promover um filme, era o Jean-Jacques… A segunda foi a uma atriz, Miriam Daveau, que agora desapareceu do mapa. A primeira fora do país foi com o James Bond, em Londres. Foi fascinante porque era a primeira vez que saía do país. Conhecia Espanha e pouco mais. Foi uma entrevista para a RTP. Nessa altura tibe a oportunidade de trabalhar com o saudoso Raul Durão. Tive a sorte de ir com pessoas que estavam habituadas a viajar e a conhecer sítios.


A entrevista é um género jornalístico imprevisível?
Depende, já que nem sempre me sinto jornalista a fazer aquilo. Sinto-me mais entertainer, tal como eles estão a ser, porque nem sempre posso fazer as perguntas que me apetecia fazer. Por exemplo, quando há uns dias fui entrevistar o Johnny Depp, disseram-me logo: “perguntas pessoais não, muito menos sobre a filha”, que esteve doente há muito pouco tempo. Portanto, há uma série de condicionantes que fazem com que o nosso trabalho seja menos jornalístico e mais media/entertainer.


Qual foi a melhor e a pior entrevista que fez?
A pior digo sempre que é a mesma: Steven Seagal, que é um canastrão da pior espécie. Respondia “sim”, “não”, “talvez”. A melhor é muito difícil, destacaria um pacote das melhores: a Meryl Streep é sempre um encanto, o Al Pacino é fantástico, o Dustin Hoffman também, o Robbin Williams é muito bom, o Michael Douglas… Normalmente são eles que são mais acessíveis. Tenho encontrado alguns fantásticos, mas um dos que guardo mais memória é do Jack Lennon, que morreu há muitos anos. Foi uma entrevista que fiz há 15 anos e que recordo com algum fascínio, por aquilo que ele me dizia e contava.


Depois de alguns anos de entrevistas, escreveu dois livros onde relata vários desses episódios. Porque é que decidiu partilhar a sua experiência?
Neste caso foi um desafio que me foi lançado por um editor. Estava com receio de desencadear o processo de escrita, porque sou demasiado viciado em escrita para televisão e para rádio. Tinha algum medo de não fazer bem o trabalho, porque escrever para o papel é mais complexo, obriga a passar tudo para lá: as emoções têm de lá estar, senão o leitor não sabe. Em televisão não, depende da forma como colocamos a voz, como entoamos, da forma como tentamos mostrar as imagens. Na altura o editor sugeriu-me o livro. Eu confesso que era coisa que já me tinha passado pela cabeça, mas levei meio ano a digerir a ideia, a ponderar. Passado um ano, tinha quase metade do livro escrito. Em dois meses fiz o que faltava. Um mês depois, como sobrou material, até pensei “isto é engraçado, vou fazer outro!”. E assim foi! A sensação do papel, de poder ver uma coisa escrita por nós é quase como ter um filho. A televisão é uma coisa efémera. A minha reportagem acaba no dia em que vai para o ar. O livro não. A intenção foi permitir que o resultado da venda do livro fosse para uma causa – a Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral. Eu tenho uma filha com este problema, a Rita, e achei que era uma forma de alertar. Neste momento, os livros já deram mais de 30 mil euros para ajudar crianças com paralisia, o que é também gratificante para mim.


Como avalia o papel do cinema na abordagem a esse tema?
O cinema é entretenimento puro e duro. É comunicação através do entretenimento. De vez em quando, o cinema aborda de forma ligeira as deficiências. Há casos fantásticos como o “Máscara”, de Peter Bogdanovich, o “Encontro de irmãos”, que também é sobre um tipo de deficiência. Curiosamente, sobre paralisia cerebral não há nenhum filme, talvez porque é uma deficiência pouco apelativa para o entretenimento. É muito abrangente… uma situação de paralisia cerebral pode paralisar completamente uma criança, em que ela apenas mexe os olhos, ou outra que só aos 20 anos descobre que tem paralisia cerebral porque a mão não fecha como deve fechar. Portanto, a paralisia cerebral resume-se à morte de uma quantidade de células e quanto maior for essa mancha de morte, mais complexa se torna a doença. Ontem, quando fui fazer a entrevista, encontrei pela primeira vez uma jovem jornalista com paralisia cerebral. Quando ela entrou apercebi-me de imediato que ela tinha alguma deficiência motora. Era francesa e está a trabalhar normalmente.

“Nem sempre posso fazer
as perguntas que me apetecia fazer”

Já pensou realizar um filme sobre esta temática, uma vez que a vive de perto?
Nunca me passou pela cabeça, mas é uma ideia engraçada. A paralisia terá que ser um caso, uma história pessoal. Tenho pensado noutras coisas. Ando a tentar fazer uma história, um grande documentário sobre paralisia cerebral com um colega para a SIC. Temos já feito o fim da reportagem, mas não sabemos como é que vai ser o início, nem como vai desenvolver-se. É o caso de uma jovem que eu conheço que tem paralisia cerebral, que é engenheira, e que foi mãe de gémeos. Portanto, vamos terminar a reportagem com o nascimento dos filhos.

 

Vai-se ao cinema hoje como se ia antigamente?
Acho que essencialmente mudou o ritual do cinema. Era impensável, quando comecei a ser cinéfilo, ir ao cinema só por ir, só porque não tinha nada para fazer. Não, ia porque sabia o que ia ver. Mudou radicalmente a forma de mostrar cinema, agora com o multiplex. Por exemplo, há um no Porto, o maior complexo de salas de cinema do país, onde passam 120 sessões por dia. Quando eu comecei a ser cinéfilo, o Porto tinha umas dez a 15 salas e havia 20 sessões por dia. As condições técnicas era muito deficientes, agora melhorou muito tecnicamente e regrediu como prazer cinéfilo. Antigamente, ir ao cinema era um acto social. Agora não, vai-se ao cinema como quem vai comprar rebuçados. O cinema como indústria também alterou muito. Alteraram-se as regras do jogo com a história dos DVD e dos downloads, e vai mudar muito nos próximos cinco a seis anos. Eu, que tenho 45 anos, já pondero quando vou comprar um CD. Hoje já penso que é melhor fazer um download. Só compro aquilo com que quero muito ficar. Há discos que já só compro por download porque fica mais barato, porque não ocupa espaço. No cinema, vai acontecer exatamente isso, vamos guardar a nossa cinoteca num disco duro. Neste momento, o DVD já é um mercado muito maior do que a distribuição de cinema. A greve dos argumentistas prende-se exatamente com isso, porque eles querem ter fatia do dinheiro dos DVD, dos downloads

 

A greve dos guionistas, que levou ao cancelamento dos Globos de Ouro, pode por em causa a indústria cinematográfica?
Não, de todo. Acho que a resolução vai ser a cedência de parte a parte. Os estúdios vão ceder a alguns pedidos dos guionistas, até porque estão quase a chegar os Óscares e era muito complicado se eles os cancelassem. Os Globos de Ouro ainda vá que não vá… Os Óscares são o feriado nacional do cinema. Agora o que é impressionante é a capacidade de mobilização que aqueles sindicatos têm.

 

Se não fosse jornalista, o que seria?
Não sei… Acho que sou jornalista por uma série de casualidades. Mas gostava, seguramente, de estar ligado a estas áreas do audiovisual. Até porque não me considero um hardnews. Tive uma sorte danada. Tenho uma profissão por prazer. Ser de Espinho e ter vingado numa área tão competitiva e tão difícil, ao longo destes anos todos, até a mim me espanta. Fiz sempre as coisas por gozo, prazer e muito trabalho!

 

 Para quando o Mário Augusto ator ou realizador?
Ator nunca! Acho que não tenho jeito nenhum para interpretar e às vezes espanta-me como é que faço determinadas palhaçadas na televisão. Ainda há dias o Johnny Depp me disse que nunca via os filmes depois, porque tinha vergonha daquilo que faz. Eu percebo a situação, porque ele é extremamente tímido e quando lhe ligam a luz ele lá deve passar-se para o outro lado e fica no “Piratas das Caraíbas”. Como realizador… acho que gostava de um dia experimentar alguma coisa, a brincar, não a sério.

 

Que entrevista ainda sonha fazer?
Uma que ainda falta para a minha coleção é a Clint Eastwood. Há também um senhor que gostaria imenso de entrevistar, o Paul Newman. E há muitos outros…

 

A vida de Mário Augusto enquadra-se em que género?
Numa comédia romântica.

 


Akadémicos 23 (31 de janeiro de 2008)
Entrevista por:
Ângela Duarte, Pedro Jerónimo e Sónia Olaio