Miguel Sousa Tavares
Jornalista
É um contador de histórias que detesta o Facebook e que fumará até morrer. Conhecido pela sua personalidade forte, Miguel Sousa Tavares não é indiferente a ninguém. Aos alunos de comunicação aqui ficam conselhos, a todos os outros leitores aqui fica uma história.
O que o levou a trocar direito por jornalismo?
Fiz essa troca para não morrer estúpido! Sim, foi para não morrer estúpido. Kafka dizia que só um homem pouco inteligente é que se contentava com direito, eu também achei isso.
Arrepende-se de ter deixado o projeto da Grande Reportagem?
Não me arrependo porque acho que os projetos têm um ciclo, e o meu ciclo máximo é de dez anos em cada coisa. Já tinha feito tudo o que devia na Grande Reportagem. A verdade é que também já não tinha meios para fazer melhor, portanto não podia crescer, e a alternativa era ficar ali a vegetar e fazer uma coisa igual todos os meses, e par mim isso não era grande desafio profissional.
Acredita no jornalismo português?
Isso é uma pergunta muito difícil. Hoje em dia é difícil acreditar no jornalismo, não tanto por culpa dos jornalistas, mas por culpa das condições de trabalho. Os jornalistas são cada vez mais pior pagos, há cada vez menos dinheiro para investir no jornalismo, para fazer boas reportagens, para se fazer coisas que realmente interessam. Assim é difícil ter um bom jornalismo.
Quais são, para si, as principais características de um bom jornalista?
Um bom jornalista tem que ser culto, saber falar pelo menos duas línguas estrangeiras, tem que conhecer a história de Portugal, ter noções básicas sobre economia, sobre política, etc. Eu sou um grande crítico dos cursos de jornalismo, tal como temos em Portugal. Considero que são muito pouco práticos, não preparam os alunos para a vida jornalística. Acho que fazia muito mais sentido ter um curso dirigido às coisas que interessam. Repare, às vezes vejo peças jornalísticas sobre economia, por exemplo, e reparo que quem está a fazê-las não tem noção de coisas básicas, como a diferença entre balança de pagamentos e a balança comercial ou a diferença entre a dívida e défice. Isso faz-me impressão. Para quem estuda jornalismo isto é importante saber e deviam aprender no curso. Depois, acho que é preciso, cada vez mais, ter um espírito de missão. Existem várias profissões onde é preciso, de facto, ter uma vocação e o jornalismo é uma delas, é preciso gostar muito disto. Portanto, também é preciso ter uma capacidade de disponibilidade enorme, para se viver o jornalismo. Não se faz um horário das nove às 17 horas, o jornalismo deve ser vivido o dia todo, trabalhar o dia todo, estar a ler outros jornais, estar a constatar outros meios de informação, estar permanentemente a par daquilo que se passa. E saber escrever bem, um jornalista tem que escrever bem.
“O jornalismo é a arte de se
saber contar uma história”
Qual a sua opinião sobre o WikiLeaks?
Em relação ao WikiLeaks, eu já disse isto, acho que aquilo não tem nada a ver com jornalismo. Rigorosamente nada. Acho que é uma violação de correspondência classificada e uma entrega em bruto de informação aos jornais para que eles supostamente façam tratamento jornalístico. Que na minha opinião não estão a fazer minimamente. Para além do mais há uma regra sagrada no jornalismo que é o contraditório: ou seja, nós quando damos a versão de uma parte temos que dar obrigatoriamente a outra parte. O WikiLeaks apenas se dirige à correspondência diplomática dos Estados Unidos da América, não nos diz nada sobre os países com os quais eles têm relações e às vezes até conflitos diplomáticos. Nós não temos um WikiLeaks sobre correspondência diplomática da Líbia, da Coreia do Norte, do Irão, da Rússia, da China, etc. Portanto só temos um lado da coisa. É aquilo a que o jornalismo chama uma peça one sided, só um dos lados é que é ouvido. Nesse sentido, eu sou muito crítico do WikiLeaks, na parte que diz respeito à correspondência diplomática dos EUA. Na outra parte, por exemplo o envolvimento no tráfico de droga dos governantes africanos, aí eu já acho que é bastante útil.
Fazer comentários semanais na televisão é suficiente para lhe alimentar o “bichinho” do jornalismo?
Não, mas ele já foi alimentado tanto tempo [risos]. Mas, por exemplo, este mês fiz uma série de cinco reportagens sobre os candidatos presidenciais. Assim vai dando para matar saudades.
Disse à revista Visão que teria mais receio de ter 20 anos hoje do que na sua época, dando o exemplo, em tom de brincadeira, do Facebook como uma das possíveis causas. As redes sociais assustam-no?
[risos] Eu detesto o Facebook! Por acaso, ainda há pouco recebi uma chamada de uma jornalista a revelar-me que agora há uma página de apoiantes meus, e perguntou-me se eu estava contente com isso. Respondi-lhe que me é completamente indiferente, jamais lá irei ver. Eu acho que o Facebook é uma coisa que substitui as relações humanas, as relações pessoais. E ainda acredito no primado da relação pessoal. Nas redes sociais as relações passam-se num território desconhecido, onde ninguém sabe de facto quem são os outros, onde toda a gente expõe a sua intimidade, as suas vidas. Por exemplo, acho o cúmulo da estupidez que haja pessoas que perdem tempo a escrever “agora vou à casa de banho”, “agora vou jantar”, “agora acabei de jantar”. São coisas que me ultrapassam.
O facto de ser jornalista ajuda-o a ser melhor escritor?
A ser melhor escritor, não; agora, ajuda-me a construir melhor as histórias. Sobretudo se escrevo um romance, eu acho que por ser jornalista tenho uma noção de como se conta uma história. O jornalismo é a arte de se saber contar uma história, por mais absurda que ela seja, por mais rápida. Se for uma história de dois minutos em televisão há uma técnica para se contar, o romance também tem uma técnica. A aprendizagem dessa técnica, ou melhor, a noção de que eu tenho que contar uma história que tem regras técnicas narrativas, vem do jornalismo.
Qual foi o livro que mais gostou de escrever?
Foi o livro que publiquei recentemente, um livro infantil chamado Ismael e Chopin. É o meu melhor livro.
Já tem ideias para o próximo livro?
Tenho várias [risos]. Uma já morreu na gaveta definitivamente ao fim de 40 páginas, a outra ainda está a estrebuchar com umas 70 páginas. Vamos ver se a aguento.
Vai deixar de fumar algum dia?
Vou! Acho que no meu enterro sou capaz de não fumar muito! [risos]
Akadémicos 49 (27 de janeiro de 2011)
Entrevista por: Filipa Araújo