Rodrigo Guedes de Carvalho

Jornalista e Escritor

O mais importante pivô do Jornal da Noite da SIC recusa assumir-se como jornalista ou como escritor. É as duas coisas, garante. Apaixonado pelos livros e pela escrita, não é um daqueles escritores sofridos, porque escreve por prazer. Sente-se um homem realizado mas hoje quer sempre fazer melhor do que ontem. Uma conversa que decorreu em Leiria, antes de (mais) uma sessão de autógrafos a propósito do seu último livro.

 

Um homem de duas profissões. Como é que as concilia?
Com dificuldades de tempo, mas com grande prazer em ambas. Genericamente é isto.

 

De quem é que gosta mais? Do Rodrigo jornalista ou do Rodrigo escritor?
Gosto de ambos. Para mim são actividades não complementares, porque não há nada na minha escrita que derive da minha profissão de jornalista. Não são complementares, são compartimentos estanques, muito bem delimitados. Eu costumo dizer que poderia ser médico ou advogado e escrever na mesma. Nesse sentido, o jornalismo e a escrita não se atrapalham, gosto muito de escrever e continuo a gostar muito da minha profissão.

 

O que é que um livro pode “dizer” que não pode ser dito num telejornal?
Quase tudo. Um livro, sobretudo de ficção, que é o que eu escrevo (não escrevo outra coisa), abre-nos um universo de possibilidades infinitas. sobretudo aquelas que têm mais a ver com os sentimentos e com alguns mergulhos na natureza e na alma humana que no jornalismo interessam pouco: no jornalismo interessam factos.

 

Acabou de dizer que só escreve ficção. Alguns colegas seus escrevem livros onde fazem um balanço do seu percurso jornalístico…
Nunca o farei! Não tenho nenhum apetite por isso. O jornalismo, para mim, esgota-se na redacção. Nunca escreverei um livro sobre jornalismo.

 

Quando é que nasce a necessidade de escrever romances? Como é que define a sua escrita?
Eu chamar-lhe-ia mais prazer, ou seja, não faço muito o género de escritor que costuma dizer “se não escrevesse morria”. Não, não morria coisa nenhuma. Se fosse impedido de escrever continuava a viver. Mas é uma coisa que me dá muito prazer, uma coisa que nasce enquanto leitor, ou seja, comecei a ler muito cedo, comecei a interessar-me por literatura e por escrita e depois acho que é uma coisa normal… Como um miúdo que joga futebol um dia sonha em jogar no Estádio da Luz ao lado do Figo. Eu como gostava muito desse mundo sonhava um dia vir a fazer parte dele. Ou seja, o leitor transformou-se um dia em escritor.

 

Sabendo que é um rosto bastante conhecido do nosso país, sente que isso o ajuda no seu reconhecimento e afirmação enquanto escritor?
Não. Penso que ajuda na identificação do escritor mas não no reconhecimento deste. Isto acreditando eu que o reconhecimento de um escritor se faz depois de se ler os livros e não antes. Portanto, acho que um livro mau de uma figura conhecida não se aguenta.

 

Foi o jornalismo que fez espoletar o desejo pela escrita, ou foi esta que o “empurrou” para o jornalismo?
Nem uma coisa nem outra. Eu comecei a escrever muito cedo, poemas de adolescente, péssimos… (queimei-os todos), depois escrevi o primeiro romance com vinte anos e, nesse sentido, a escrita nasceu antes do jornalismo, mas não me empurrou necessariamente para o jornalismo. Fui para jornalismo porque fiz o 12.º ano de Humanísticas e não queria ir para Direito, parecia-me um curso muito chato. Eram os primeiros anos do curso de Comunicação Social, havia Comunicação Social em Lisboa, o que também era uma boa oportunidade para sair do Porto, apetecia-me sair do Porto, apetecia-me alargar horizontes e, portanto, escolhi Comunicação Social assim, um bocadinho por acaso. Depois as coisas foram acontecendo, ou seja, fui aprendendo… Hoje gosto muito de ser jornalista, mas foi uma coisa que me aconteceu e fui aprendendo a gostar.

 

No futuro, imaginando-se daqui a 30 anos, como gostaria de ser reconhecido? Como jornalista ou como escritor?
Como ambos. Gostaria que o meu papel no jornalismo fosse reconhecido durante muitos anos. Sobretudo que a minha experiência pesasse cada vez mais junto das pessoas. Gostaria de ser reconhecido como um escritor, e não apenas um jornalista que também escreveu livros, que é uma coisa diferente.

 

O que é que se sente ao saber que se entra diariamente na casa de milhares de pessoas e que se é o porta-voz da actualidade?
Para dizer a verdade não se sente nada de especial. É um lugar de grande responsabilidade e que, da forma como eu o encaro, só pode ser assim… Hoje em dia está na moda as pessoas quererem ser jornalistas. Eu acho que muita gente vai parar ao jornalismo sobretudo porque acha que o jornalismo lhe dá uma certa exposição pública e uma certa visibilidade, as pessoas que forem para jornalismo apenas por isso, em meu atender, serão sempre maus pivôs.

 

Quem é que gostaria de poder entrevistar?
Não tenho grande reverência por entrevistados… gostaria, isso sim, de ter um programa de entrevistas de maior respiração, e uma grande variedade de entrevistados, pessoas das mais diversas áreas, isto é, desde a política, às artes, ao espectáculo, à investigação, ao simples anónimo de pasteleiro ou electricista que possa ser interessante…

 

Como é que uma noite gostaria de saudar “o país e o mundo”? Que notícia gostaria de dar?
Há tantas… Aqui é um bocadinho impossível fugir aos lugares comuns, mas naturalmente que uma cura do cancro, uma vacina para a SIDA… Todas essas coisas que num mundo globalizado são problemas transversais, que nos preocupam a todos e que nos devem preocupar, são o tipo de situações que acontecem à pessoa do lado mas um dia nos pode tocar à porta.

 

A SIC tem vindo a perder audiências. O Jornal da Noite foi líder de audiências durante vários anos e ocupa, agora, o 3.º lugar do ranking. O que pensa que está errado? As características do programa ou o “gosto” dos portugueses?
Nem uma coisa nem outra… As audiências são um mundo absolutamente desconhecido, ninguém sabe exactamente como se comporta uma audiência nem porquê. Aliás, se alguém tivesse esse segredo estaria à frente de uma televisão e essa televisão seria líder com 100% de audiência. Portanto, quem disser que conhece o segredo das audiências, mente. Podemos atirar para o ar, pensar em tendências, mas corremos sempre o risco de não acertar. Isso levava-nos para uma conversa muito grande, mas, é preciso ver que um jornal, seja em que canal for, não aparece isolado, não nasce do nada, ele depende muito, da dinâmica que a estação tenha no seu conjunto. Hoje em dia a TVI tem uma dinâmica e uma implantação junto das pessoas muito forte, para mim, não pelas melhores razões, mas não interessa, tem. Interessa muito nos jornais aquilo que se chama a herança, ou seja, que audiência é que tem o programa imediatamente anterior, e o inverso, ou seja, há pessoas que a meio dos telejornais já se começam a posicionar de forma a não perder o programa que vem a seguir. Depois, há um produto propriamente dito, o conteúdo de um jornal que eventualmente poderia ser melhor. A SIC foi líder durante muitos anos, em grande parte devido à sua qualidade. A SIC estava na moda nessa altura e hoje não está.

“Hoje gosto muito de ser jornalista, mas foi uma coisa
que me aconteceu e fui aprendendo a gostar”

Quem é o Rodrigo Guedes de Carvalho?
É a pessoa mais normal do mundo, que tem a sorte de trabalhar numa profissão que gosta, de estar a cumprir um sonho que desejou, que foi o de ser escritor, e de ter uma estabilidade familiar e de amizades que é a minha maior riqueza. Considero-me uma pessoa muito afortunada, uma pessoa pacificada comigo mesma.

 

O que é que faz nos seus tempos livres?
Passeio o cão, escrevo, considerando que é o meio tempo livre, não vou tanto ao cinema como desejaria, mas estou sempre a alugar filmes para ver em casa. Faço muito por convidar ou ir a casa de amigos, o convívio faz-me muita falta, gosto de regar as amizades.

 

Que tipo de música ouve?
Ouço tudo… não sou especialista em nada, sou muito caótico na música que ouço. É muito conforme os estados de espírito, tanto posso ouvir clássica como posso ouvir hard rock, como posso ouvir outro tipo mais instrumental… Sou muito ecléctico em música.

 

Qual seria a próxima viagem que gostaria de fazer?
Acabei de fazer, fui de carro até Veneza com os meus filhos, com as consequentes múltiplas paragens pelo caminho… Considero que viajar de carro é a melhor forma de conhecer os sítios.

 

No seu tempo de estudante, como viveu a vida académica?
Com grande distanciamento… Diria que me estive um bocadinho a “marimbar” para a vida académica. Não fiz parte de nenhuma associação, não tinha grupos de estudo… Fazer praxe nem pensar, mas também não fui praxado… O que me trouxe a vida académica foram alguns dos meus melhores amigos. Nunca fui delegado de turma… nem nada dessas coisas…

 

Voltaria a estudar? Voltaria ao Ensino Superior?
Não… Não necessariamente, mas aconselho a toda a gente o Ensino Superior ou o Ensino Técnico. É bom que as pessoas tenham sempre necessidade de aprender e não só porque isso pode dar um canudo ou uma oportunidade de trabalho… Hoje em dia não estou inscrito em nenhum curso, mas leio, vejo filmes, vou a exposições, devoro tudo aquilo que possa tornar numa pessoa mais interessada, porque acho que as pessoas mais interessadas são mais interessantes.

 

Como vê o futuro no meio jornalístico? O mercado de trabalho é muito pequeno para a oferta?
O mercado de trabalho está terrível… Basta ver que nos últimos anos houve uma grande quantidade de despedimentos nos meios de comunicação social, coisa que se calhar nos dez anos anteriores não tinha havido. O mercado está saturado e as empresas querem ter cada vez menos pessoas, mais mal pagas, no sentido de terem um mínimo de lucro. Mas na minha altura não era muito fácil, vocês hoje não se apercebem disso, mas quem tinha um curso de Comunicação Social era muito mal visto porque as redacções eram feitas por pessoas que tinham a quarta classe, que só acreditavam no jornalismo “tarimba” e no jornalismo de experiência, logo, qualquer miúdo novo que aparecesse era mal visto – “este agora tem a mania que tem um curso!” . Hoje em dia, o problema não é esse, o problema é que as redacções estão de portas fechadas. As pessoas estagiam nas redacções já para irem embora. E, portanto, é preciso uma certa dose de sorte, de talento e de oportunidade para se mostrar no curto período de estágio que se tem qualidade para ficar. Aproveitem ao máximo os períodos de estágio para provar às pessoas que têm qualidade. A verdade é que muitos estagiários que passam pela SIC passam de uma forma absolutamente desleixada.

 

Que conselho dá àqueles que gostariam de enveredar pelo mundo da comunicação social?

O conselho que dou na comunicação social, o mesmo que dou para quase tudo, é verificarem se realmente querem ser jornalistas. Tenho visto muitos estagiários na televisão, de repente há ali a oportunidade de virem a apresentar um programa ou de fazer um concurso e vão! E eu fico sempre boquiaberto – “Então mas não queria jornalismo?” Não! Queria qualquer coisa… Acho que a esmagadora maioria das pessoas que está a chegar às redacções está com este espírito, e uma pessoa assim nunca será um bom jornalista, nunca será. Portanto, o conselho que eu dou é: verifiquem mesmo se querem ser jornalistas, senão é melhor irem aos castings das novelas… Ficam mais conhecidos mais rapidamente.

 

Como é que se sente melhor: romancista ou argumentista?
Sinto-me bem nas duas coisas e gosto muito de fazer as duas coisas. Em Portugal há pouco esta noção de que o trabalho de argumento de um filme é uma coisa que tem de ser feita de raiz; tem uma técnica específica, não é simplesmente pegar num romance e depois ir filmar qualquer coisa. Em Portugal continua-se a filmar umas coisas muito esotéricas; muito adaptação de um pouco deste livro com um pouco daquele, e há pouca gente a pegar numa folha em branco e a criar uma história para cinema. Eu gosto de fazer ambas as coisas, mas como sei que são linguagens diferentes nunca as misturo. Digamos que nunca escrevo um argumento muito literato e também não tenho tendência de ter uma linguagem muito cinematográfica num romance.

 

O que é que ainda gostava de poder vir a fazer?
Gostava de não perder qualidades quer como jornalista quer como escritor. Não gostaria de ver as pessoas sentirem que eu já não faço falta, que já seria dispensável, ou que me estou a repetir, ou que já não trago nada de novo, ou que, ainda pior, entrei em curva descendente, que estou a trabalhar pior do que trabalhava. Portanto, o que me falta fazer é continuar a trabalhar… por exemplo no Jornal da Noite o meu sentimento é sempre este: hoje tem de ser melhor do que ontem.

 


Akadémicos 12 (26 de maio de 2006)
Entrevista por:
Ângela Duarte, Cristina Parente e Sónia Olaio