Zé Oliveira
Cartoonista
O lápis é o melhor amigo de José Oliveira. O cartoonista é conhecido na região pela autoria d’ Os Corvos, mas tem desenvolvido outros projectos, como caricaturas académicas para livros de curso. Premiado dentro e fora de portas, garante que a caricatura “exagera mas não mente” e defende a dignificação da profissão.
Como nasceu o seu gosto pelo desenho e pela arte do cartoon?
O gosto pelo desenho nasceu pelo facto de eu ser filho único e filho de ferroviários, o que me obrigava a constantes viagens e mudanças de residência. Tinha muitas vezes de brincar sozinho. E a forma mais prática de um garoto se entreter é desenhar. É evidente que isso terá de ser suportado por algum gosto, e eu sempre gostei de ver coisas artísticas. Eu viajava muito de comboio e ainda me lembro de ver os painéis de azulejo da estação de Campanhã, no Porto. Eu ficava maravilhado a olhar para aquilo. Estava longe de imaginar que aquilo era o melhor que havia naquela época.
O que define um bom cartoon?
Um bom cartoon deve apresentar uma mensagem jornalística. Deve também ser actual, pois é um género jornalístico. Além disso, deve ter uma carga crítica. A peça deve ser obviamente bem desenhada. Um cartoon apresenta uma história, uma ideia, uma situação.
Já alguma vez ouviu vozes de protesto ou indignação devido a um desenho publicado?
Já, e das mais disparatadas. Uma pessoa que tinha conhecido muito recentemente, quando me viu pela segunda vez, conversou comigo para me dizer que não era tão gordo como estava na caricatura, criticando o trabalho. Coisas de carácter mais sério também há: cartoons que ficam suspensos ou que são censurados.
Existem (ou devem existir) limites no cartoon? É possível “brincar” com qualquer assunto?
O cartoon é um género jornalístico, por isso, e por ser jornalismo de opinião, é crónica. Só que é crónica gráfica. É necessário ter o mesmo cuidado quando se faz um cartoon do que quando se faz outro tipo de peça. Não há grande diferença. Eu costumo dizer que o caricaturista não mente. Exagera mas não mente.
Considera que em Portugal a arte do cartoon é devidamente valorizada?
Não. Um dos aspectos que a nossa associação, a FECO [Federation of Cartoonists Organizations] Portugal, está a enfrentar é consciencializar os associados. Está na moda pedir desenhos de cartoon gratuitos aos desenhadores. Um jornal do concelho, gratuito, mandou um e-mail para a direcção da Associação a pedir o seu envolvimento no sentido de possibilitar um cartoon gratuito a cada número. Na minha resposta, escrevi que esta Associação não fomentava, antes desaconselhava, o trabalho gratuito aos seus associados. Há mais casos. Uma empresa pediu-nos para que seleccionássemos um grupo de associados que estivesse interessado em facultar cartoons gratuitos para os monitores dos autocarros. Uma empresa de Lisboa também fez uma proposta para cedermos desenhos gratuitamente. Em Espanha, o El País, que é um jornal de referência, tem cinco cartoonistas. A Voz da Galiza, que é um regional, tem 14. Isto explica-se pelo facto de ter quatro ou cinco cartoonistas no jornal principal e outros pelos vários cadernos e revistas que publica pelo resto de Espanha. Em Portugal, é um cartoonista para dois jornais. Há mesmo alguns que trabalham em sete ou oito jornais!
Qual é a sua receita para o humor?
Neste momento o meu empenhamento no humor é mais com a caricatura calculista. O cartoon, como já referi, deve ser actual e deve ter um sentido crítico identificativo. Deve pôr o dedo na ferida e “apanhar” aquilo que está à frente dos olhos das pessoas, mostrar-lhes a realidade. Deve afirmar aquilo que não se pode dizer numa peça escrita, pois há um pouco mais de liberdade no humor. O humor serve para pensar, não para rir, para edificar, não para demolir.
“O humor serve para pensar,
não para rir“
A ironia é uma boa forma de fazer humor?
É uma das melhores. A ironia é uma das receitas para o humor. Mas também se utiliza a sátira, que é uma forma de “brincar” com as pessoas. Há um estilo humorístico que, apesar de ainda não existir em Portugal, deverá aparecer mais tarde ou mais cedo. É o chamado “Humor Blanco” (em espanhol), que ainda não se usa em Portugal. É um humor que só tem o objectivo de fazer rir. O humor interventivo e inteligente está a desaparecer. Os jornais são cada vez mais concentrados em grupos e têm cada vez menos liberdade para veicular a opinião. Só interessa passar a opinião dos “opinadores” oficiais. Isto não é uma situação desejável para os cartoonistas. O objectivo dos jornais passa cada vez mais por vender. O humor vai ficando cada vez mais de lado, pois é de intervenção e é muito abrangente, o que o torna bastante perigoso neste aspecto. Alguns cartoons podem ser lidos por um analfabeto, pois muitos não têm palavras. As pessoas podem não ter tempo para ler o jornal, mas vêem sempre o cartoon. Este poderá estar a transmitir uma enorme carga de informação e de conteúdo crítico.
A Internet é um bom meio para difundir os trabalhos de um cartoonista?
É. Mas, infelizmente, para os cartoonistas, as pessoas “bastam-se” pelo consumo de cartoons na Internet. Se alguém, com acesso à Internet, quiser ver 50 ou 100 cartoons, pode. O cartoonista tem de ser um profissional, e não o é. Vi recentemente um cartoonista, que já estava há muitos anos num jornal, ser despedido, apesar de não apresentar mais de 60 anos. A idade não é, ou não deveria ser, um obstáculo ao trabalho de um cartoonista. Neste momento aposta-se cada vez mais nos jovens, mas com uma intenção, “pegar” naqueles que são facilmente manobráveis. É por isso que o humor passará a ser aquele só para rir e não para pensar.
Já recebeu inúmeros prémios e menções honrosas em Portugal e no estrangeiro. Como lida com os prémios?
É agradável, pois traz-nos a confirmação de que estamos a comunicar em condições e que o nosso trabalho está a ser reconhecido pelos júris, mas não faço muito alarido. Coloco a informação nos vários blogues que tenho, mas apenas com a intenção de obter trabalho.
Como está a política em Portugal?
A política neste país é desenvolvida por gente amadora. Os senhores que estão hoje a governar o país não são aqueles que se distinguiram mais a nível académico, nem aqueles que estudaram mais. Simplesmente andaram a colar cartazes e a bater palmas aos líderes dos partidos. Não são pessoas muito bem preparadas.
Existe alguma situação actual que gostaria de caricaturar?
O primeiro-ministo, que teve a desfaçatez de insultar uma equipa de jornalistas. Ele não tem o direito de fazer apreciações desta natureza.
Tem-se dedicado também a caricaturas académicas para livros de curso. Como é trabalhar com jovens?
Interessante. As caricaturas são feitas com um sentido subjacente em que o estudante nem sequer se apercebe. É a despedida da vida académica e da liberdade, enfrentando a vida profissional, onde vai encontrar pela frente vários problemas. Ele despede-se daquela vida, a melhor que se pode ter, com um documento que lhe trará sorrisos. Vai-se rir um pouco. Uma caricatura destas nunca é feita pela própria pessoa, mas sim pelos colegas. O próprio não gosta, pois ninguém gosta de se ver ridicularizado.
Que projectos tem para o futuro?
Neste momento faço um cartoon por mês e continuo a desenvolver esforços para a Associação. Gostaríamos que todos os profissionais deste país nesta área tivessem trabalho, e que o desempenho do cartoonista fosse dignificado. Quem tem uma profissão tem direito a trabalhar.
Que caricatura faria da Semana Académica?
Seria uma caricatura sobre os excessos, sobretudo ao nível do álcool. Mas é muito importante que as pessoas se divirtam, pois é uma despedida. Mas com alguma moderação.
Akadémicos 35 (30 de abril de 2009)
Entrevista por: Damien Pires e Sara Vieira