Um espaço. Uma autora. Duas paixões. Luísa Ducla Soares foi a convidada deste sábado da rúbrica ‘No mercado do livro com…’. Estivemos à conversa com a escritora, que nos falou da sua recente obra «O meu primeiro Eça».
Porque é que gosta de escrever para crianças?
Eu sempre gostei de inventar histórias para crianças. Comecei a escrever para crianças quando tinha 10, 12 anos. Aos 10 anos comecei a fazer poemas e aos 12/13 anos comecei a escrever histórias, e depois nunca mais parei. Esta é a paixão pelas crianças e a paixão pela literatura. É um 2 em 1.
O que significa, para si, enquanto entusiasta da obra de Eça de Queirós, ter a oportunidade de escrever esta obra?
Já é o quarto livro que eu faço sobre Eça de Queirós. Primeiro, a Câmara de Lisboa pediu-me para escrever sobre o Eça para as crianças, e eu fiz um livro sobre a infância dele, e sobre a Rosa, uma personagem de Os Maias. Eça passou algum tempo no sítio que é hoje a Biblioteca de Lisboa, nos Olivais, e portanto, procurei reviver um pouco esse tempo em que ele era criança. Depois fiz um projeto que gostei muito, que foi passear em Lisboa com o Eça. Estive a reler todos os romances, a ver onde é que moravam todas as personagens – praticamente estão limitadas à parte central do Chiado – a casa em que o Eça tinha morado com os pais, no Rossio. Procurei também a casa de Antero de Quental, de Oliveira Martins, de todos os seus amigos e os cafés que ele frequentava. Então, organizei com a Câmara passeios para estudantes dos últimos anos do 3º ciclo e também para adultos. Passear por Lisboa com Eça é uma coisa engraçada.
Acresce que as crianças não conhecem Eça, e apeteceu-me fazer uma adaptação dos seus contos que têm temáticas que acho que interessam mesmo às crianças, embora sejam talvez um pouco difíceis para elas. Em todo o caso, procurei ser o mais próxima possível da sua linguagem, desvirtuado o mínimo possível do seu estilo. Adaptei, portanto, seis contos do Eça.
Agora, fizeram-me o pedido para fazer «O Meu Primeiro Eça». Com a minha paixão, e também porque já tinha tanto material guardado, tive o maior gosto em voltar ao meu amigo Eça.
E o que a fez apaixonar pela escrita de Eça de Queirós?
Várias coisas. Uma delas é a sua permanente atualidade, porque embora ele escrevesse num determinado período, não perdeu a atualidade como Camilo [Castelo Branco], por exemplo. Acho que Camilo fala de situações e de sentimentos que já não têm nada a ver com a realidade. Claro que nós sabemos que as coisas passadas com Eça de Queirós foram passadas no tempo dele, mas ele tem uma modernidade que faz com que elas se mantenham interessantes hoje. Depois, com a sua maneira de escrever, acho que realmente é um dos maiores prosadores da literatura portuguesa. Ao mesmo tempo, tem uma linguagem acessível. Tem também o que para mim é muito importante, um humor de certa maneira doce e sarcástico, que poucos ou nenhum têm.
Julga que os jovens estão desinteressados pela leitura?
Não acho que isso seja real. Eu acho que as crianças no primeiro ciclo se interessam imensamente pela leitura, muito mais do que no passado, porque estas crianças têm nas próprias escolas pessoas que fazem com que elas se interessem pelos livros. Não têm só as professoras, como as bibliotecas já bastante razoáveis e em muitas delas, têm bibliotecárias que fazem uma permanente animação das bibliotecas e que conseguem cativar muitíssimo os alunos.
No segundo ciclo, ainda há interesse pela leitura, mas a partir do 7º ano ele desaparece. Acho que isso acontece por várias razões. Por um lado porque os professores já não têm tanta influência sobre eles – o professor primário tem muita influência. A partir daí, eles gostam de ser independentes e de fazer tudo ao contrário daquilo que lhes sugerem. Depois, estão apaixonados pelos computadores. O que não quer dizer que não leiam! Eles leem. Também é uma coisa errada dizer que o jovem não lê se ele não lê um livro. Ao longo da história, nem sempre aquilo que se lia era em livros: havia códigos, folhas de pergaminho enroladas e havia quem escrevesse em tijolos e em pedras. Acho que lá por o livro ser escrito num computador, não deixa de ser um livro. Além disso não leem jornais, mas leem blogs. E há blogs interessantíssimos. Uns que até são das próprias escolas, outros são de adultos, outros de adolescentes. Há blogs só de poesia, outros que apresentam narrativas diversas, outros que falam imenso sobre viagens, outros que são uma espécie de diários onde os adolescentes se reveem. Não acho que isso seja nada contra o livro. Se eles lerem, se contactarem com a língua, se pensarem, na realidade, não há problema.