Núcleo 1 – Fábrica de Faianças e Escola Industrial das Caldas da Rainha

Fábrica de Faianças e Escola Industrial das Caldas da Rainha

 

A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha foi a primeira empresa industrial de cerâmica estabelecida nas Caldas da Rainha. Era uma sociedade anónima, com sede em Lisboa e instalações fabris nas Caldas, registada em finais de 1883. De acordo com os seus estatutos, a nova fábrica estava organizada em função dos seguintes sectores de produção: materiais de construção e revestimento, louça artística e decorativa, louça de mesa. O equipamento e a montagem destes três departamentos fabris decorreu entre 1885 e 1888.

A vila das Caldas da Rainha recebeu em 1884 uma das oito Escolas de Desenho Industrial criadas no País. Baptizada Escola de Desenho Rainha D. Leonor, começou a funcionar em Janeiro de 1885, com dois cursos: um diurno (para alunos dos 6 aos 12 anos) e outro nocturno (para alunos dos 12 anos em diante). Em Agosto de 1887, foi-lhe atribuído o estatuto de Escola Industrial, reconhecendo assim o Governo que as Caldas constituíam um “importante centro de produção” cerâmica, o qual justificava a diversificação das matérias (além do Desenho, agora distribuído pelos ramos Ornamental, Arquitectural e Mecânico, a Aritmética, a Geometria e a Química Aplicada às Artes e Especialmente à Cerâmica), e a dilatação do tempo de aprendizagem. Esta mudança tinha em conta a existência da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha e as necessidades da sua secção de faiança utilitária, na altura em fase de instalação. Efectivamente o ensino na Escola Industrial, com os seus objectivos profissionalizantes, organizava-se em torno de quatro ofícios, aos quais correspondiam, no mínimo, três graus (outros tantos anos de aprendizagem): louceiro-formista, oleiro, pintor vidreiro e forneiro de louça.

Em 1887, o mesmo Ministério das Obras Públicas, que tutelava o ensino industrial, celebrou com a Fábrica um protocolo mediante o qual esta última se obrigava a garantir a formação profissional dos alunos que a Escola lhe apresentasse, até ao máximo de 150, contra um subsídio fixo de 5 contos de réis anuais. Esses alunos seriam considerados aprendizes na Fábrica.

Durante a sua vigência, a Fábrica de Faianças garantiu as condições de formação teórica e prática dos seus aprendizes, incluindo a criação de um laboratório de Química, onde leccionou, no ano lectivo de 1887/88 o professor Carl von Bonhorst, de origem alemã. Bonhorst tinha sido assistente no famoso Laboratório de Química de Fresenius, fundado em 1948, em Wiesbaden, por 1848, Carl Remigius Fresenius, uma instituição dedicada ao ensino e à experimentação da Química. Von Bonhorst, que no ano lectivo de 1888/89 ingressaria no corpo docente da Escola Industrial Marquês de Pombal, em Lisboa, foi um dos fundadores da Sociedade Portuguesa de Química, em finais de 1911.

Como se pode ver no quadro seguinte, a evolução das matrículas na Escola das Caldas acompanhou a laboração da Fábrica com a qual a aprendizagem se articulava estreitamente, numa modalidade de ensino inovadora.

 

Anos lectivos

Oleiros

Louceiros

Pintores

Total

1887-88

4

26

5

35

1888-89

3

31

4

38

1889-90

4

24

3

31

1890-91

4

28

17

49

1891-92

2

7

2

11

Fonte: Livros de Matrículas da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, Caldas da Rainha

 

Embora os materiais das bibliotecas da Fábrica e da Escola que chegaram até nós tenham um carácter fragmentário e disperso, podemos tentar reconstituir alguns dos seus traços essenciais.

As obras de que disporiam ambas as bibliotecas, parcialmente coincidentes, preencheriam lacunas de informação nas seguintes três áreas: história dos fabricos e das marcas cerâmicas dos principais centros de produção da europeus; composição e dosagem das pastas e dos vidrados e temperaturas de cozedura; tecnologias e maquinaria de produção industrial.

No último quartel do século XIX, o interesse pela história da cerâmica recebeu impulso de origens diversas: veio um deles da etnografia e traduziu-se em trabalhos de recolha de cerâmica popular; veio outro da área do comércio de antiquários em relação com o mercado dos coleccionadores e do mundo da decoração; e finalmente, os conservadores de museus interessaram-se também pela cerâmica, sobretudo nas modalidades de porcelana e faiança, no quadro da valorização museológica das artes decorativas. A primeira obra de história da cerâmica portuguesa, por exemplo, publicada em 1907, foi elaborada por José Queirós, um coleccionador e historiador de arte que, em 1911, viria a ser nomeado conservador de Museu de Arte Antiga.

Muito embora o processo cerâmico industrial continue a ser em boa parte tributário da empiria, espaço propício à consagração de saberes reservados e de segredos profissionais, a preparação de pastas e vidrados e a submissão às temperaturas do forno começam lentamente a ser reguladas por normas, consagradas em fórmulas, assentes no conhecimento científico, em especial da Química. Os manuais de Química passam a integrar a Biblioteca do Ceramista e o professor de Química, como vimos, a fazer parte do corpo docente das Escolas onde se ensina a cerâmica.

Mais raros são os tratados sobre máquinas, uma vez que delas se ocupam os catálogos dos fabricantes e agentes de máquinas-ferramentas.

O parque de máquinas da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha era assim descrito num documento de 1886: “A Companhia não duvidou em fazer aquisição das máquinas mais aperfeiçoadas, devendo citar-se, entre outras, uma máquina eléctrica para apuramento das pastas, construída pelo notável fabricante de Limoges, Mr. Faure (…). O motor a vapor é da força de vinte cavalos e fabricado nas oficinas dos Srs. Hartley & Arnoux (…). A caldeira é de Nayer e todas as outras máquinas foram escolhidas entre as mais modernas e aperfeiçoadas dos mais reputados fabricantes da Europa. Os fornos pode dizer-se sem exagero os primeiros do seu género: são do sistema Minton, o melhor até hoje conhecido, de que a fábrica comprou o privilégio, tendo sido mandado vir para auxiliar a sua construção um operário inglês da própria fábrica Minton”.

Os autores mais reconhecidos de manuais cerâmicos no século XIX foram Alexandre Brongniart e Theodore Deck, ambos directores de Sèvres.

A Manufacture Nationale de Sèvres foi criada sob o modelo mercantilista das fábricas com privilégio real. Com a Revolução de 1789, o privilégio tornou-se nacional. Em meados do século XIX, sob a direcção de Alexandre Brongniart, acrescentou-se ao espólio fabril um acervo sobre a história da cerâmica de todo o mundo. Na década de 1890, a Manufacture de Sèvres dotou-se de uma escola de formação profissional, ministrando o ensino do desenho e da composição ornamental, a par de saberes de natureza técnica sobre pastas, corantes, vidrados e fornos. Já no século XX esta escola evoluiria para Escola Superior de Cerâmica.

Nascido em 1870, Brongniart, professor e investigador em ciências da natureza, foi investido do cargo de Director de Sèvres, em 1800, tendo-o exercido até 1847, data da sua morte. Em 1844 publicou um Traité des Arts céramiques ou des Poteries, Considerées dans leur Histoirte, dans leur Pratique e dans leur Théorie, em dois volumes, obra que teve inúmeras reedições ao longo do século XIX.

Théodore Deck, nascido em 1823, teve um percurso pela cerâmica, como autor e industrial, e só em 1887 seria nomeado Director de Sèvres. A sua obra mais conhecida, La Faiance, seria publicada no ano da sua morte, 1891.

 

Retrato de Rafael Bordalo Pinheiro

 

Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha

 

Carl von Bonhorst

 

Bordalo e operários – alunos

 

Busto de A. Brongniart

 

BRONGNIART, Alexandre – Traité des arts céramiques ou des poteries : Considérées dans leur histoire, leur pratique et leur théorie. Edição de Jeune Béchet e Augustin Mathias. Paris: Imprimerie de Fain et Thunot, 1844. xxvii,592 p. (Vol. 1)

 

DECK, Théodore – La faience. Direção da coleção M. Jules Comte; dir. lit MAY & MOTTEROZ. [Paris]: Ancienne Maison Quantin; Paris, Librairies-impremeries Réunies, 1887. 300, [1] p. (Bibliothèque de L’enseignement des beaux-arts). Coleção publicada sob o alto patrocínio da Administration des Beaux-Arts e galardoada com o prémio Montyon da Académie Française e o prémio Bordin da Académie des Beaux-Arts

 

 

Espécies bibliográficas:

1 – BRONGNIART, Alexandre – Traité des arts céramiques ou des poteries : Considérées dans leur histoire, leur pratique et leur théorie. Edição de Jeune Béchet e Augustin Mathias. Paris: Imprimerie de Fain et Thunot, 1844. xxvii,592 p. (Vol. 1)

2 – BRONGNIART, Alexandre – Traité des arts céramiques ou des poteries : Considérées dans leur histoire, leur pratique et leur théorie. Edição de Jeune Béchet e Augustin Mathias. Paris: Imprimerie de Fain et Thunot, 1844. 708 p. (Vol. 2)

3 – DECK, Théodore – La faience. Direção da coleção M. Jules Comte; dir. lit MAY & MOTTEROZ. [Paris]: Ancienne Maison Quantin; Paris, Librairies-impremeries Réunies, 1887. 300, [1] p. (Bibliothèque de L’enseignement des beaux-arts). Coleção publicada sob o alto patrocínio da Administration des Beaux-Arts e galardoada com o prémio Montyon da Académie Française e o prémio Bordin da Académie des Beaux-Arts

4 – BRONGNIART, Alexandre – Traité des arts céramiques ou des poteries : Considérées dans leur histoire, leur pratique et leur théorie: Atlas composé de 9 tableaux, plusieur tables, 71 planches et leur explication. Notas de Alphonse Salvétat. Paris: Phénix Éditions, 2003. [170] p. Edição fac-similada da terceira edição de Paris, P. Asselin, 1877

5 – ÉMILE-BAYARD – L’art de reconnaître la céramique française et étrangère : terre-cuite, faïence, porcelaine, grès, etc., avec les marques et monogrammes. Paris: R. Roger et F. Chernoviz, 1920. [6], 458, [1] p. (Guides pratiques de l’amateur et du collectionneur d’art)

6 – PEYRE, Roger – La céramique française : Fayense, porcelaines, biscuits, grès, dates de la fondation des ateliers caractèristiques, marques et monogrammes. Paris: Ernest Flammarion, 1910. 310, [2] p. (Bibliothèque des arts appliqués aux métiers)

7 – FULLER, Josef – Elementos de modelação de ornato e figura. Dir. lit. Tomás Bordalo Pinheiro. 2ª ed. Lisboa: Bertrand, [193-?]. vi, 148 p. (Biblioteca de instrução profissional)

8 – SAMPAIO, Albino Forjaz de, dir. lit. – Arte portuguesa : A cerâmica. Ilustrações de Saavedra Machado; capa de Jorge Barradas. Lisboa: Empreza do Diario de Noticias, 1926. [16] p. (Collecção Patricia)

9 – SAMPAIO, Albino Forjaz de, dir. lit. – Arte portuguesa : Cerâmica Portuguesa. Ilustrações de Saavedra Machado; capa de Jorge Barradas. Lisboa: Empreza do Diario de Noticias, 1931. [16] p. (Collecção Patricia)

10 – PINHEIRO, Tomás Bordalo, dir. lit. – Indústria de Cerâmica. Introdução de Joaquim de Vasconcelos; coordenação de Pedro Prostes. 2ªed. Lisboa: Bertrand, [19-?]. 252, [24] p. (Biblioteca de instrução profissional)

11 – SILVA, João Ribeiro Cristino da – Elementos de História da Arte. Dir. lit. Tomás Bordalo Pinheiro. 2ª edição, actualizada. Lisboa: Bertrand, [1929]. 685 p. (Biblioteca de instrução profissional)

12 – AUSCHER, E. S. – Comment reconnaître les porcelaines et les faïences d’après leurs marques et leurs caracteres. Paris: Librairie Garnier, [1914]. vii, 495 p.

13 – MACHADO, Aquiles – Elementos de Química : III Classe. Lisboa: Imprensa Libanio da Silva, 1914. 92 p. (Ensino secundário oficial). Contém a I Parte

14 – LEJEUNE, Émille – Traité pratique de la coupe des pierres : précédé de toute la partie de la géométrie desciptive qui trouve son application dans la coupe des pierres : Atlas de 59 planches. Paris: J. Baudry, 1872. [2], lix p.

15 – LEITÃO, C. A. Marques – Desenho : Livro I. Lisboa: Fernandes & Ca., 1909. 1 vol. (Instrucção Secundária)

16 – LEITÃO, C. A. Marques – Desenho : Livro II. Lisboa: Fernandes & Ca., 1909. 1 vol. (Instrucção Secundária)

17 – A Arquitectura Moderna : Revista Mensal da Arte Arquitectural Antiga e Moderna. Dir. Nuno Colares. Ano IX, nº 1-12. Lisboa: Centro Typographico Colonial, 1916

18 – WANDERLEY, Germano – Traité pratique de constructions civiles : La pierre et la brique dans la construction : Deuxième Volume. Paris: E. Bernard & Cie., 1883. [6], 514, iii p., com 6 pranchas com ilustrações

 

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