Núcleo 3 – Fábrica SECLA

Fábrica SECLA

 

Para nos guiar na reconstituição deste núcleo, solicitei a colaboração de António Cardoso, que entrevistei por diversas vezes, recorri ao livro de memórias do fundador da SECLA, Alberto Pinto Ribeiro – A Nova Cerâmica das Caldas: Sec. XX, Lisboa, Edição de Autor, 1989 -, e a um relatório, datado de Janeiro de 1968, assinado pelo ceramista Ferreira da Silva, relativo à bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian de que acabara de usufruir em Paris.

António Cardoso nasceu nas Caldas da Rainha em 1939. Em 1955 concluiu o curso de Cerâmica na Escola Industrial e Comercial. Aqui, tivera, como professores de Química Tecnológica, Costa Ribeiro e, quando este saiu, Pinto Ribeiro.

Costa Ribeiro colaborou com a SECLA na montagem do Laboratório, em 1950.

António Cardoso recorda Costa Ribeiro como um jovem engenheiro químico-industrial, com pouca experiência profissional, esforçado, sério, e que providenciara um manual com páginas reproduzidas a stencil, baseado num tratado de cerâmica traduzido para espanhol, já antigo, desfasado da realidade da cerâmica daquela época. “Era o que tínhamos, diz  Cardoso, incipiente, mas era aquilo”.

Em 1955, foi admitido na fábrica José Alves Cunha Sucessores, da qual seu avô era sócio-gerente, ali se mantendo até 1959.

Refere-se ao avó, Francisco do Couto, como “um homem que lia muito, com uma curiosidade enorme por tudo aquilo que fosse inovação. Como o acesso aos manuais era muito limitado, até por causa da língua, o meu avô lia cuidadosamente catálogos. Os catálogos eram uma fonte preciosa de informação sobre os produtos usados na industria cerâmica. Lembro-me dos catálogos da Wenger, uma empresa inglesa que vendia matérias primas para a cerâmica, e que tinha um distribuidor espanhol, o que ocasionava a edição dos catálogos em língua espanhola”.

A família Wenger, de origem suíça, estabeleceu-se em Stoke-on-Trent, a cidade da cerâmica, no condado de Staffordshire, na Inglaterra, na década de 1860. Em 1870, Albert Francis Wenger pôs em funcionamento a sua empresa, na qual coexistia a produção de faiança industrial com a preparação e venda de cores, óxidos, vidrados para a decoração cerâmica. De acordo com os seus prospectos, a Wenger fornecia materiais que podiam ser utilizados tanto na gama das temperaturas baixas, entre 500 e 600º, como das temperaturas acima dos 900 e até 1400º.

Em 1959, António Cardoso aceitou o convite do seu antigo professor, Alberto Pinto Ribeiro, para trabalhar na SECLA, no Laboratório da fábrica. Iniciaria então uma carreira profissional como técnico de cerâmica.

Joaquim Alberto Pinto Ribeiro nasceu em Lisboa em 1921. Frequentou o curo de Arquitectura na Escola de Belas Artes de Lisboa, que não concluiu. Em 1944, quando se lançou numa aventura industrial nas Caldas Rainha, somara uma experiência profissional que o colocara em contacto privilegiado com a economia americana. Estimulado por um importador de artesanato e animado pela possibilidade de ter um negócio próprio, decidiu fundar uma empresa que tinha por objecto a colocação de cerâmicas caldenses no mercado americano.

Encontrou na VOLCAR, um empresa de origem britânica, activa em Portugal no período da II Guerra na exploração de volfrâmio, um parceiro para constituir a sua empresa. A fábrica de manilhas de grés de Inácio Perdigão, na rua Henrique Salles, nas Caldas da Rainha, aceitou ceder parte das suas instalações para a produção das faianças de Pinto Ribeiro. Foi ali que nasceu a Fábrica Mestre Francisco Elias, ainda em 1944. No ano seguinte já disporia de oficinas próprias, num terreno onde o pai de Alberto possuía uns barracões.

A SECLA substituiria a Mestre Francisco Elias em finais de 1946, com a entrada de  quatro novos sócios, em substituição da VOLCAR: Fernando da Ponte e Sousa, Fernando Carneiro Mendes, Vitorino Costa Vinagre e Américo Castro Arez, estes três últimos sócios da empresa Costa & Arez Lda, uma firma que representava diversas marcas de aparelhos rádio-eléctricos de recepção e difusão. É com a constituição desta nova sociedade que a empresa muda o seu nome para Sociedade de Exportação e Cerâmica Lda, em Dezembro de 1946.

Alberto Pinto Ribeiro é o gerente de fábrica. Em poucos anos, revoluciona, tanto no plano técnico e tecnológico, como no plano artístico e decorativo, a produção de louça das Caldas. A sua presença na fábrica faz-se sentir em múltiplas frentes: a da orientação técnica, a do design, a do contacto com os clientes e a da gestão comercial e empresarial. Neste último domínio, há que registar que a SECLA se torna uma empresa de grande dimensões, assumindo que lhe cabe também desenvolver funções sociais para os trabalhadores e famílias: desde a assistência médica ao fornecimento de refeições, desde a actividade cultural à prática desportiva. E ainda encontra disponibilidade para dar aulas de Química Tecnológica na Escola Industrial, que encara como um campo potencial de recrutamento de ceramistas para a SECLA.

A modernidade que traz à produção de louça das Caldas traduz-se em novos produtos, em novo design, em novas cores, em novas pastas e novos processos e equipamentos de conformação e de cozedura. Uma das inovações mais significativas que introduziu na produção corrente assentou no novo papel que atribuiu à pintura, em detrimento das composições relevadas que tinham sido apanágio da louça naturalista caldense desde o último quartel do século XIX.

Alberto Pinto Ribeiro no seu livro de memórias sobre a SECLA refere-se ao deficiente conhecimento técnico e científico que imperava na cerâmica caldense:

“As fórmulas dos vidrados eram empíricas e os processos de fabrico limitavam-se à produção em “lastras”, em vez de se liquefazer o barro com a adição de uma pequena quantidade de silicato de sódio, o que era considerado um segredo dos supostos técnicos mais evoluídos.

Esta situação que vim encontrar na cerâmica caldense iria limitar qualquer possível melhoria em termos de qualidade. A irregularidade da temperatura dos fornos era tal que o oleiro considerava o resultado da fornada como se fosse uma carta fechada que só se sabia quando era aberta.

Foi portanto necessário recorrer aos livros estrangeiros, como Ceramic Glazes, de Parmelee, Glazes, de Koenig, e muitos outros, para obter resultados, o que só consegui ao longo de muitos estudos”.

O tratado de Parmelee sobre vidrados foi também a primeira obra da biblioteca pessoal de António Cardoso que recorda, a propósito, a aprendizagem prévia a que teve de proceder da língua inglesa. “Comprei um curso de inglês, salvo erro, Linguaphone, em discos. Depois pedi a um familiar emigrado nos Estados Unidos que me adquirisse e trouxesse o livro do Parmelee”.

Pinto Ribeiro, recorda António Cardoso, não se poupava a esforços para promover a actualização técnica da fábrica. Isso implicava não apenas a aquisição de manuais e tratados, mas, sobretudo, a aquisição de revistas. De facto, as revistas tinham passado a ser o instrumento de actualização mais dinâmico do mundo cientifico, técnico e industrial.

Entre as revistas que a SECLA assinava encontravam-se a Inter-ceram, alemã, que se começou a publicar em 1952, o Journal of the American Ceramic Society, editado desde 1919, o Bulletin of the American Ceramic Society, em publicação desde 1922, Cerâmica, uma revista editada desde 1955 pela Associação Brasileira de Cerâmica (constituída em S. Paulo, em 1952) e a Pottery Gazette and Glass Trade Review, uma publicação inglesa surgida na década de 1880.

Completa esta reconstituição da biblioteca de um ceramista do tempo da SECLA uma referência a duas obras colhida no Relatório que o ceramista Ferreira da Silva, colaborador da SECLA desde 1954, produziu para a Fundação Calouste Gulbenkian em 1967 quando lhe foi atribuída um a bolsa para estágio na École des Méthiers d’Arts em Paris: Karl Spingler. Métodos de Calculo y Cifras Experimentales de la Indústria Cerâmica, e R.F.Kuta, Tratado Moderno de Ceràmica Mecanica y Manual, ambas editadas em tradução espanhola em 1964.

 

Alberto Pinto Ribeiro

 

Secla anos 50

 

Secla

 

A Cardoso no Laboratorio da Secla

 

WENGERS, LTD. – Lista de precios, no. 29. England: [s.n.], 1933. 173 p. Catálogo de preços da Wengers, Ltd, Etruria, Stoke-on-Trent, Inglaterra – fabricantes de produtos químicos, corantes, esmaltes, minerais e materiais para a cerâmica, fabrico de azulejos, ladrilhos, vidro e cristal, e esmalte de metal

 

PARMELEE, Cullen W. – Ceramic glazes. Chicago: Industrial Publications, cop. 1948. x, 321 p.

 

MUNIER, P. – Technologies des faïences. Prefácio e direção da coleção de M. P. de Groote. Paris: Gauthier-Villars, 1957. vi, 228 p. (Cours de céramique industrielle)

 

Espécies bibliográficas:

1 – KOENIG, J. H.; EARHART, W. H. – Literature abstracts of ceramic glazes. Chicago: Ceramic Industry, cop. 1942. 285 p

2 – SINGER, Felix – Ceramic glazes. 3ª ed. London: Borax Consolidated, 1951. 96 p..

3 – PARMELEE, Cullen W. – Ceramic glazes. Chicago: Industrial Publications, cop. 1948. x, 321 p.

4 – MUNIER, P. – Technologies des faïences. Prefácio e direção da coleção de M. P. de Groote. Paris: Gauthier-Villars, 1957. vi, 228 p. (Cours de céramique industrielle)

5 – KUTA, R. F. – Tratado moderno de Cerámica : Mecánica y manual. Barcelona: Serrahima y Urpí, 1944. 439, [9] p.

6 – RIBEIRO, Alberto Pinto – A nova cerâmica das Caldas : Sec. XX. [S.l.]: Edição do autor, 1989. 143 p.

7 – CARDOSO, Armando – Manual de Cerâmica. 2ª ed. Lisboa: Bertrand, D. L. 1970. 285 p. (Nova Biblioteca de instrução profissional)

8 – WENGERS, LTD. – Lista de precios, no. 29. England: [s.n.], 1933. 173 p. Catálogo de preços da Wengers, Ltd, Etruria, Stoke-on-Trent, Inglaterra – fabricantes de produtos químicos, corantes, esmaltes, minerais e materiais para a cerâmica, fabrico de azulejos, ladrilhos, vidro e cristal, e esmalte de metal

 

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