Género incluído

A designação género incluído refere um género que ocorre recorrentemente em textos de maior extensão e de um outro género. Por isso, os géneros incluídos podem ser perspetivados como partes, secções, capítulos, artigos, etc., de um género maior, que se situa num nível superior (no sentido em que é mais extenso e integra um ou mais géneros incluídos). Exemplos de géneros incluídos são, entre outros, os capítulos ou secções de introdução e de conclusão, o prefácio e a apresentação, o preâmbulo e o prólogo, os agradecimentos e a dedicatória, a nota biográfica e o(s) índice(s), a nota de rodapé e os anexos, a entrada de dicionário e a ficha técnica.

Cada um dos géneros incluídos é, primeiramente, considerado um género, em virtude de ocorrer reiteradamente numa dada situação comunicativa que evidencia propriedades similares e de os respetivos autores o usarem para atingir objetivos inerentes a esse género. Além desses parâmetros situacionais ou externos, os textos de cada género incluído manifestam também regularidades textuais ou internas, de que são exemplo os tipos de conteúdos e os padrões de estruturação semelhantes, bem como propriedades estilísticas comuns ou aspetos materiais e peritextuais específicos (a nota de rodapé, por exemplo, consta no fundo da página, no que se distingue da nota de fim de texto, que é inserida após o texto principal).

A constatação de que ocorre recorrentemente no seio de textos de outros géneros permite comprovar a sua falta de autonomia e, desse modo, o facto de constituir um género incluído. Em princípio, um género incluído não é produzido nem circula isoladamente, ou seja, sem se encontrar integrado num texto que se insere num outro género.

Há, porém, vários casos de textos que, constituindo originalmente exemplares de géneros incluídos, podem conquistar (alguma) autonomia, como a seguir se detalha. Jorge Luis Borges foi um escritor literário que produziu abundantes textos do género prólogo. Na sua origem, cada um deles acompanhava o texto que o autor apresentava ou acerca do qual refletia, isto é, constituía um exemplar de género incluído. Mais tarde, por decisão editorial, muitos dos prólogos que redigiu foram englobados numa coletânea intitulada, na sua tradução portuguesa, “Prólogos, com um prólogo de prólogos”. Por essa via, pode dizer-se que cada um dos textos do género prólogo que foram integrados na publicação ganhou autonomia e ocorreu nela já não como um exemplar de género incluído (ou seja, junto e dependente do texto que originalmente acompanhava), mas como um exemplar de género autónomo. O mesmo raciocínio parece ser válido para outros casos semelhantes, em particular, no âmbito do discurso literário, como o prefácio de Eça de Queirós que antecedia a obra “Azulejos”, do Conde de Arnoso, assim como o prefácio de “Lyrical Ballads”, de William Wordsworth, entre diversos exemplos possíveis.

Veja-se também o caso do abstract ou resumo académico. Quando textos deste género comparecem junto do texto que visam sumariar (em textos dos géneros artigo científico, tese de doutoramento e dissertação de mestrado), configuram um caso de género incluído. Porém, quando se trata de textos produzidos para dar conta de uma pesquisa (a efetuar, em curso ou já concluída) relativa a uma proposta de comunicação a apresentar num evento científico, constituem exemplares de género autónomo. Nesse sentido, é preferível conceber que, entre género e género incluído, existe uma relação graduável, e não uma oposição binária ou discreta.

O conceito de género incluído foi inicialmente proposto por Rastier (1989, 2001), no âmbito da Semântica Interpretativa. Insere-se no tema mais vasto das relações entre géneros, porquanto se verificou que os géneros integram complexos sistemas que interagem entre si de modos diversificados (para uma síntese sobre este assunto, ver Silva, 2020). Nos últimos anos, em áreas com tradições díspares, como os Estudos Retóricos dos Géneros (Devitt, 2004) e o Inglês para Fins Académicos (Swales, 2004), vários autores têm procurado sistematizar tipos de relações atestadas entre géneros distintos (reportório de géneros, sistema de géneros, padrão de chamada e resposta, supergénero, metagénero, etc.; cf. Devitt, 2004). A relação entre género e género incluído parece constituir um exemplo a acrescer aos tipos identificados e caracterizados por esses autores (Silva, 2020).

O tema das relações entre géneros ganhou crescente visibilidade com as perspetivas de análise linguística que convocam, para os estudos dos textos e dos géneros textuais, conceptualizações de natureza ecológica (Spinuzzi, 2004), como a diversidade, a interação, a adaptação, a permeabilidade, a evolução e a interdependência.

Por fim, convém sublinhar que o conceito de género incluído não deve ser confundido com o de subgénero. Duas propriedades os distinguem: por um lado, cada subgénero é um exemplar do género de que depende (um romance histórico é um exemplar do género romance), o que não se observa no caso dos géneros incluídos (a introdução de um artigo científico não é um exemplar do género artigo científico; constitui uma parte ou secção de um texto do género artigo científico, mas trata-se de um exemplar do género introdução). Por outro lado, a designação do género está, regra geral, integrada na etiqueta do subgénero (atente-se em romance histórico e romance, por exemplo), o que não sucede com o género incluído (introdução e artigo científico).

A descrição efetuada corresponde aos critérios originalmente propostos no âmbito da Semântica Interpretativa (Rastier, 1989, 2001) e reconhecidos como válidos no seio de outros enquadramentos, como a Análise do Discurso (Maingueneau, 2014), a Linguística Textual (em particular, a Análise Textual dos Discursos, segundo Adam, 2008) e o Interacionismo Sociodiscursivo (Bronckart, 1997). Nesta exposição, procurou-se inserir o conceito descrito no âmbito mais vasto das relações entre géneros, articulando-se com propostas que são oriundas dos Estudos Retóricos dos Géneros (Devitt, 2004) e do Ensino de Línguas para Fins Específicos (em particular, o Ensino de Inglês para Fins Académicos, segundo Swales, 2004).

Referências

Devitt, A. (2004). Writing genres. Southern Illinois University.

Rastier, F. (1989). Sens et textualité. Hachette

Rastier, F. (2001). Arts et sciences du texte. PUF.

Silva, P. N. (2020). Redes, cadeias, sistemas e reportórios: Sobre as relações entre géneros. Linguística (Revista de Estudos Linguísticos da Universidade do Porto), 15, 95-134. https://ojs.letras.up.pt/index.php/EL/article/view/9477/8691

Spinuzzi, C. (2004). Describing assemblages: genre sets, systems, repertoires, and ecologiesComputer Writing and Research Lab, White Paper Series, #040505-2, University of Texas at Austin, pp. 1-8. https://www.dwrl.utexas.edu/old/content/describing-assemblages.html

Swales, J. (2004). Research genres. Explorations and applications. Cambridge University Press.

Forma de referenciação sugerida

Silva, P. N. (2024). Género incluído. Retirado de: https://sites.ipleiria.pt/pge/genero-incluido/


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