Caso 10: O valor do tempo: paciência e tolerância

Autor: Olga Santos

Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, Instituto Politécnico de Leiria

Referir este caso: Santos, O. (2018). O valor do tempo: paciência e tolerância. In R. Cadima, I. Pereira, M. Francisco & S. Cunha (Coords.). 15 histórias para incluir. [Online]. Politécnico de Leiria: Leiria.

Para começar

O ser humano nasce com potencialidades para aprender a falar que são facilitadas pelo meio e pela estimulação que recebe ao longo de todo o seu percurso. Tal percurso poderá culminar em situações menos desejáveis, onde o indivíduo poderá ficar com perturbações da linguagem, como é exemplo a disfemia, mais conhecida por gaguez.

Esta perturbação carateriza-se pela existência de uma desconexão entre o pensamento e a fala, provocando uma interrupção brusca no discurso antes de uma palavra ou de uma sílaba (Salsinha, 2011, Gleittman, Fridlund & Reisberg, 2007). É um fenómeno muito complexo que surpreende pela quantidade de exceções e irregularidades (Zamora, 2007). Esta patologia pode desenvolver nos indivíduos sentimentos como vergonha, frustração, ansiedade, culpa e baixa autoestima, levando-os à solidão ao tomarem consciência da fraca fluência do seu discurso (Friedman, 2004).

A tolerância será a palavra-chave para incentivar os indivíduos, com esta perturbação da linguagem, a comunicar, mantendo um ambiente calmo para não agudizar a problemática em questão (Jakubovicz, 2009). Atendendo a que a gaguez se agrava com a idade, os indivíduos com esta patologia, deverão ter, da parte dos seus pares, um atendimento ajustado às suas necessidades, independentemente do local que tenham de frequentar, por necessidade ou lazer.

Para ler

Olá, sou a Sofia e trabalho numa repartição de Finanças, há cerca de 20 anos, algures em Portugal. Podem imaginar o número de pessoas que atendo diariamente, mas eu gosto daquilo que faço e acho que tenho vocação para lidar com público. Mas nem sempre é fácil e por vezes surgem situações com as quais não sabemos lidar.

Uma dessas situações que me deixou francamente atrapalhada aconteceu há pouco tempo. Havia uma fila interminável, com cerca de 40 minutos de espera por pessoa, para pagar o IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis).

Chegou a vez do Sr. António, que era um cidadão que tinha dificuldades de comunicação, ou seja, perturbação da fluência (gaguez) o que requeria mais tempo para se exprimir. Eu entendia-o perfeitamente, contudo, o Sr. António tinha várias dúvidas que foi colocando ao seu ritmo, sendo que o meu dever era esclarecê-lo, independentemente do tempo necessário, pois tinha permanecido na fila até chegar a sua vez.

O problema surge quando as restantes pessoas começam a reclamar e se ouve em bom som a conversa entre alguns utentes:

– Francamente! Tanto tempo para pagar o IMI??

– Pudera o homem é gago!

– Podiam chamar outra pessoa para o atender…

– Não há uma fila para deficientes? Se não há… deveria haver.

– Ou então terem horas específicas para esta gente.

Ao ouvir isto, o Sr. António começou a ficar nervoso e a gaguejar cada vez mais. Eu fiquei igualmente nervosa com a situação e sem saber o que fazer. A determinada altura perdi a concentração e deixei de perceber o que o Sr. António queria dizer. Ou seja, a situação saiu do meu controlo…

Para equacionar

Lidar com a situação

  • Que atitude tomar
  • Que soluções devem as instituições oferecer
  • A gaguez deve ser vista como uma deficiência
  • Ignorar os comentários ou reagir

Para debater

1. O que faria se fosse a Sofia?

Perante esta situação, se fosse você a pessoa que estivesse no atendimento, o que faria para resolver a situação?

2. Como sensibilizar os utentes da fila?

Mesmo não tendo formação na área, que estratégias considera serem adequadas para minimizar situações como esta?

3. Estratégias institucionais

Que estratégias podem ser implementadas nas instituições para evitar situações semelhantes?

4. O que faria se estivesse na fila?

Imagine-se um dos utentes da fila, já perdeu imenso tempo, tem consulta marcada no médico e ainda tem de ir buscar a filha à escola. Ouve os comentários dos outros utentes impacientes…. o que faria?

5. Papel ativo ou passivo?

Enquanto indivíduo “observador” que presencia situações como esta, qual o papel que adota?

  • Sente-se mais confortável em deixar correr a situação, na convicção de que alguém irá tomar medidas.
  • Não dá importância porque situações de intolerância já aconteceram consigo.
  • Intervém porque se existe um conflito é importante a intervenção de um “mediador” e você pode desempenhar esse papel.
  • Atua de forma a encontrar rapidamente uma solução…

Algumas atitudes podem ajudar: cartazes de sensibilização, que mostrem o direito de todos serem atendidos no tempo que lhes for necessário.
A disponibilização de mais funcionários. Ter um setor só para informações de forma a agilizar todo o atendimento.
Suammy Cordeiro

É muito fácil cair na tentação de ir atrás dos comentários, porque também estamos com pressa e impacientes… Podia dizer também que interviria para acalmar os outros utentes, mas seria muito complicado. As pessoas já são muito pouco calmas nestas situações (…). Provavelmente optaria por questionar um colega se haveria possibilidade de abrir outra mesa de atendimento.
Marta Costa

Para reter

Considerando que cada caso é um caso e que as soluções adotadas para uma situação poderão não ser as indicadas para outras, deixamos um possível desfecho, baseado numa situação real.

A Sofia apesar do nervosismo, tranquilizou o Sr. António, dizendo-lhe que estava na sua vez e que tinha todo o direito de ser atendido ao seu ritmo e que ela estava ali para o esclarecer. Apesar de sentir vontade de reagir perante os utentes da fila, permaneceu calada pois sentiu que se reagisse poderia empolgar a situação em vez de a reverter. Além disso, receou que ao manifestar-se alguém poderia deixar registo no livro de reclamações sem refletir verdadeiramente a situação.

Estes casos acontecem diariamente no nosso país, com diferentes desfechos, consoante a sensibilidade de quem está no atendimento e de quem está na fila. Assim, tal como foi referido no debate, as instituições deveriam adotar estratégias de formação dos funcionários e sensibilização dos utentes de forma a contribuir para uma sociedade onde o valor do tempo seja acrescido de paciência e tolerância.

Para consultar

Referências

Friedman, S. (2004). Gagueira: origem e tratamento. São Paulo: Plexus.

Gleittman, H., Fridlund, A. J., & Reisberg, D. (2007). Psicologia. Lisboa: Fundação Calouste GulbenKian.

Jakubovicz, R. (2009). Gaguira. Rio de Janeiro: Revinter.

Salsinha, H. (2011). Alterações da Fluência Verbal: A Gaguez. Psicologia – o portal dos psicólogos. http://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0219.pdf

Zamora, C. L. (2007). Antropologia de la tartamudez. Etnografia y propuestas. Barcelona: Edicions Bellaterra.

Sugestões de pesquisa

Vídeo sobre gaguez. https://youtu.be/ny3GLExDqcM

Gaguez e Ansiedade. Mitos e Factos. https://www.centrotratamentogaguez.pt/single-post/2017/01/25/Gaguez-e-Ansiedade-Mitos-e-Factos

Artigo da TF Rita Valente (CTGaguez) publicado no Journal of Fluency Disorders. https://www.centrotratamentogaguez.pt/single-post/2017/07/10/Artigoda-TF-Rita-Valente-CTGaguez-publicado-no-Journal-of-Fluency-Disorders

Mitos e Factos sobre Gaguez. https://www.stutteringhelp.org/sites/default/files/Myths_portuguese.pdf

Associação portuguesa de gagos. http://www.gaguez-apg.com/