Caso 15: Let’s make a movie!

Autores: Carla Freire e Carlos Silva

Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, Instituto Politécnico de Leiria

Referir este caso: Freire, C. & Silva, C. (2018). Let’s make a movie! In R. Cadima, I. Pereira, M. Francisco & S. Cunha (Coords.). 15 histórias para incluir. [Online]. Politécnico de Leiria: Leiria.

Para começar

O conceito Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental (DID) refere-se à existência de transtornos que normalmente surgem no nascimento e afetam negativamente o percurso físico, intelectual e o desenvolvimento emocional de um indivíduo (National Institute of Child Health and Human Development, 2016).

Enquanto a Deficiência Intelectual se relaciona com a existência de deficits na capacidade mental (raciocínio, resolução de problemas, aprendizagem, etc.) que resultam em prejuízos no funcionamento adaptativo, impedindo que o indivíduo tenha independência pessoal e responsabilidade social em um ou mais aspetos do dia-a-dia (American Psychiatric Association, 2014); a Dificuldade Desenvolvimental relaciona-se com a incapacidade severa, de longa duração, que pode afetar a capacidade cognitiva, o funcionamento físico ou ambos em simultâneo, ou seja, abrange a deficiência intelectual e também a física (Bock, 2010).

O conceito DID veio substituir o antigo “Atraso Mental”, que era medido com base nas pontuações obtidas na medição do Quociente de Inteligência (QI), estando, agora, relacionado com os níveis de funcionamento adaptativo (Brue & Wilmshurst, 2016).

Para ler

No âmbito de uma unidade curricular de uma instituição de ensino superior é proposta, aos estudantes, a realização de projetos de intervenção artística de tema livre. Face a este desafio, a Beatriz e o Diogo propõem-se a realizar uma curta-metragem documental com o envolvimento ativo da comunidade regional, ou seja, considerando a participação não só ao nível de entrevistas, mas também em todo o processo de criação do filme.

Após a abertura de inscrições, a Beatriz e o Diogo constatam que têm 12 pessoas inscritas. De forma a que todos se conheçam e a dar início ao trabalho, é marcada uma primeira reunião, na qual se pretende conhecer um pouco as pessoas e saber quais as motivações para a participação neste projeto:

  • Um grupo de 7 jovens, com idades compreendidas entre os 15 e os 17 anos. Como ainda estão a estudar, alguns no ensino básico e outros no secundário, querem conhecer melhor algumas áreas para possível prosseguimento de estudos. Neste grupo de jovens encontram-se dois grandes amigos de infância a Rafa, que tem síndrome de Williams e o Pedro, com Trissomia 21.
  • 3 jovens adultos com idades entre os 23 e 25 anos. São recém-licenciados e ainda não encontraram emprego na área das suas formações, estando 2 desempregados e o outro a trabalhar em part-time num café. Estes jovens adultos veem, neste projeto, uma oportunidade de alargarem horizontes.
  • 2 pessoas séniores, com 65 e 67 anos. Estão reformadas e referem que gostam de aproveitar o tempo para aprender coisas novas. A área das tecnologias sempre as fascinou, pelo que este projeto surgiu como um desafio extremamente interessante.

Depois das apresentações, a Beatriz e o Diogo referem que pretendem fazer uma curta-metragem com a temática “A Importância da criatividade no cotidiano” e explicam de forma sintética todo o processo, desde a criação da história à edição do filme.

Para que o projeto se desenvolva da melhor forma é proposta a criação de 3 grupos de trabalho com 4 elementos cada. Contudo, a Beatriz e o Diogo não estavam à espera de encontrar um grupo tão heterogéneo de pessoas, entre as quais se encontram 2 jovens com Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental (DID). Como devem organizar os grupos? Incluir os jovens com DID numa equipa ou dar-lhes outras tarefas?

Para equacionar

Que estratégias adotar?

  • Criar tarefas específicas
  • Criar grupos heterogéneos
  • Como irá a equipa reagir
  • Serão capazes de realizar as tarefas
  • Poderão existir conflitos

Para debater

1. Igualdade ou diversidade

Aquando da criação de equipas, surgem algumas dúvidas. Qual a forma mais adequada para a criação de equipas? Agrupar as pessoas em função da proximidade de idades? Juntar as 2 pessoas séniores com a Rafa e o Pedro, visto serem grupos minoritários? Escolher os elementos das equipas de forma a obter um grupo heterogéneo, considerando as diferentes especificidades? Escolher os elementos de cada equipa de forma aleatória?

2. Paternalismo ou indiferença

Nos momentos de tomada de decisão é normal a discussão de ideias, o que permite aumentar a capacidade de argumentação. Quando a Rafa e o Pedro dão as opiniões, na maioria das vezes são ignorados pelos colegas mais novos, sem que exista um debate dos seus contributos. Ao assistirem a este comportamento, os colegas séniores defendem todas as ideias da Rafa e do Pedro, sem sequer as questionarem, com o intuito de proteger os jovens. Será este o comportamento mais adequado à situação? Por um lado, a indiferença dos colegas mais jovens, por outro lado o excesso de proteção por parte dos colegas com mais idade. Qual a melhor forma de proceder?

3. Integração ou inclusão

Para a elaboração do argumento, é necessário pensar numa história, num fio condutor que permita a criação de uma narrativa. Existindo um tema geral, é importante a pesquisa de informações, assim como também um brainstorming de ideias, que permita criar um mapa dos principais conceitos encontrados. Durante este processo, são vários os contributos que aparecem, sendo os da Rafa e do Pedro muito relacionados com histórias ou personagens de filmes que eles já viram. Como deve reagir a equipa? Deve ignorar os contributos relacionados com histórias ou personagens já existentes? Deve aceitar, sem questionar, todos os contributos da Rafa e do Pedro? Deve tentar demover os jovens, explicando que é um filme novo, logo todas as ideias devem ser novas?

4. Capacidade ou incapacidade

Ao serem confrontados com a realidade de terem de passar pelas diversas etapas para criar uma curta-metragem, Rafa e Pedro referem que não são capazes, que apenas querem ver como se faz um filme. Beatriz e Diogo não se dão por satisfeitos e informam que estão a contar com eles no processo e que toda a ajuda é preciosa. Será que a Beatriz e o Pedro estão demasiado confiantes? Estarão a Rafa e o Pedro preparados para fazerem parte de um projeto desta natureza? Será que existem condicionantes que os impeçam de participar ativamente na criação do filme?

Na grande maioria das vezes, a condicionante está na nossa cabeça. (…) é importante explicar que todos temos medo de fazer coisas novas, que todos precisamos de ajuda, sendo isso absolutamente normal.
Marta Costa

(…) apostaria na heterogeneidade das equipas, no entanto essa heterogeneidade pode trazer conflitos. Caso esses conflitos fossem impossíveis de resolver, creio que optaria pela junção dos elementos seniores, geralmente mais pacientes, com os jovens com DID.
Gabriela Lima

Não sou apologista de fazer grupos em função de características, mas sim em função de “talentos”: (…), questionaria o que cada pessoa gostaria de fazer ou se sentiria à vontade para realizar. Seria sempre importante reforçar (…) que a sinergia entre todos é sempre mais importante do que aquilo que foi atribuído a cada grupo de trabalho.
Marta Costa

Para reter

Considerando que cada caso é um caso e que as soluções adotadas para uma situação poderão não ser as indicadas para outras, deixamos um possível desfecho, baseado numa situação real.

Igualdade ou diversidade

Ainda que todos tenhamos igualdade de direitos, na realidade somos todos diferentes, cada um de nós é um Ser único e especial. É esta diferença que nos enriquece, na medida em que cada um de nós é como uma peça de puzzle que se encaixa para construir um TODO. Para a criação de equipas, propomos uma distribuição pensada, onde possam estar elementos com diferentes características, o que permitirá a obtenção de um olhar mais abrangente de todo o processo criativo, através das diversas perspetivas.

Capacidade ou incapacidade

Todos os seres humanos têm diversas capacidades e incapacidades, quer tenham ou não uma deficiência. O importante é ter o foco naquilo que conseguimos fazer. Ao rentabilizarmos e otimizarmos as nossas mais-valias estamos a contribuir para um melhor desempenho de uma dada função, assim como estamos a desenvolver novas capacidades, que anteriormente pensávamos não ter. Neste sentido, a proposta de resolução para a falta de confiança da Rafa e do Pedro, passa pela motivação. Se eles vão ter dificuldades? Sem dúvida que terão, tal como qualquer pessoa quando inicia uma nova tarefa. É importante que experimentem todas as fases do processo de criação de um filme, de forma a analisarmos em conjunto onde se sentem bem e onde conseguem desenvolver melhor as suas capacidades.

Paternalismo ou indiferença

Quando nos confrontamos com algo novo ou diferente, por vezes sentimo-nos impotentes, na medida em que não fomos preparados para lidar com situações inesperadas. Por vezes assumimos uma atitude de indiferença perante o desconhecido, outras vezes temos comportamentos demasiado paternalistas, procurando proteger, o que nos parece sensível, frágil. O importante é procurar o equilíbrio e tratar as pessoas como gostaríamos que nos tratassem. Neste sentido, a proposta de resolução para esta questão passa por pedir à Rafa e ao Pedro que desenvolvam as suas ideias, que expliquem os seus contributos. Numa fase inicial é provável que se sintam acanhados, mas com o apoio e motivação da equipa, a conversa começa a fluir. Esta discussão é muito útil, pois além de dar voz a todos, ajuda a desenvolver a capacidade de argumentação. Após o debate e ouvidos todos os argumentos, a equipa deve escolher os contributos que mais se adequam ao projeto.

Integração ou Inclusão

Os conceitos de integração e de inclusão encontram-se subjacentes em todas as questões colocadas neste curso. São as atitudes e comportamentos dos elementos do grupo que vão determinar se estão a integrar ou a incluir. A integração permite que um indivíduo faça parte de um determinado grupo, contudo as oportunidades não são necessariamente iguais aos demais. O conceito de inclusão pressupõe que num mesmo grupo todos tenham as mesmas oportunidades, sendo respeitada a diferença e os contributos de todos. A criatividade não nasce do zero, é necessário existirem experiências, conhecimentos prévios do mundo que nos rodeia para que se possa criar algo. O importante é permitir o debate de ideias e através das experiências antigas, fazer novos caminhos. Este processo permite a aquisição de mais experiências e mais conhecimentos, que no futuro poderão, também, servir de base a novos projetos. Desta forma estamos a contribuir para o desenvolvimento de novas competências e a alargar o leque de experiências de cada um de nós.

Moral da história:

O segredo está na forma de agir perante uma determinada situação e vê-la como um desafio a ultrapassar procurando, sempre que possível, formas de contornar as dificuldades. Este projeto permite que TODOS possamos sair muito mais ricos, pois para além da aprendizagem do processo de criação de filmes, aprendemos a lidar com situações inesperadas, aprendemos que a trabalhar em equipa conseguimos chegar longe e aprendemos a arte da resiliência!

Para consultar

Referências

American Psychiatric Association (2014). Manual Diagnístico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-5. Nascimento, M. I. C. (Tradutora). Porto Alegre: Artmed.

Bock, R. (2010). Fact Sheet: Intellectual and Developmental Disabilities. National Institutes of Health.

Brue, A. W. & Wilmshurst, L. (2016). Essentials of Intellectual Disability Assessment and Identification. New Jersey: John Wiley & Sons.

National Institute of Child Health and Human Development (2016). Intellectual and developmental disabilities (IDDs): Condition information. https://www.nichd.nih.gov/health/topics/idds/conditioninfo/default#f3

Sugestões de pesquisa

Emygdio da Silva, M. O. & Coelho, F. (2014). Da deficiência mental à dificuldade intelectual e desenvolvimental. Revista Lusófona de Educação, 28 163-180.

Freire, C. & Silva, C. (2015). Perspetivas uma forma de expressão: O audiovisual como estratégias de inovação social. In: A.C. Valente & R. Capucho (Eds.) Avanca | Cinema 2015. Avanca, Portugal: Edições Cine-Clube de Avanca.

Freire, C. & Silva, C. (2014). Perspetivas – utilização de audiovisuais por pessoas com necessidades especiais: Avaliação de uma intervenção do ponto de vista dos cuidadores. In A. Fontes, J. G. Sousa & M. S. Lopes (Org.), Da participação na Cultura à cultura da Participação (pp. 166-178). Óbidos, Portugal: RIAP – Associação Rede Iberoamericana de Animação Sociocultural – Nodo Português. ISBN: 978-989-20-4957-1.

Sassaki, R. K.(2009). Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional de Reabilitação (Reação), São Paulo, Ano XII, mar./abr pp.10-16.

Freire, C. & Silva, C. (Diretores) (2013). Perspectivas [Vídeo promocional do Projeto Perspetivas]. https://www.youtube.com/watch?v=16u3mG_fqFM