Caso 9: Conferência inclusiva

Autores: Catarina Mangas1 e Joana Sousa2

1 Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, Instituto Politécnico de Leiria
2 Associação Nacional e Profissional de Interpretação – Língua Gestual

Referir este caso: Mangas, C. & Sousa, J. (2018). Conferência inclusiva. In R. Cadima, I. Pereira, M. Francisco & S. Cunha (Coords.). 15 histórias para incluir. [Online]. Politécnico de Leiria: Leiria.

Para começar

A inclusão advém de um percurso que se iniciou pela exclusão, em que se entendiam as pessoas com deficiência como inválidas, seguindo-se a segregação destas pessoas em instituições residenciais e a integração, que acarreta a desinstitucionalização das pessoas com deficiência, agrupando-as entre si nos contextos sociais.

Inclusão, na realidade, é mais do que a aceitação da presença de pessoas com incapacidades ou limitações, mas o reconhecimento da existência de diferenças que implicam que os ambientes ofereçam condições para que todos possam ter acesso aos recursos oferecidos pela sociedade, desenvolvendo o seu potencial da forma mais autónoma possível.

Para o efeito, os espaços físicos e digitais devem assegurar condições de acessibilidade a diferentes públicos, sendo notório o esforço de Portugal nesse propósito, nomeadamente pela aprovação do Decreto-Lei n.º 163/2006 de 8 de agosto, que define o regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais. A publicação da tradução para português das Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web, a 24 de outubro de 2014, pelo consórcio internacional W3C tem, ainda, permitido que muitas entidades tenham em conta os diferentes públicos na construção e reformulação das suas páginas web.

Para ler

A Sónia faz parte da Comissão Organizadora de um evento científico internacional, e é o elemento responsável por proporcionar a todos os participantes um acesso e participação equitativa. Neste sentido, para que sejam todos bem-vindos, a Sónia deverá ter em conta os seguintes aspetos:

  • Planeamento: Para planear um evento científico é necessário, em primeiro lugar, acautelar as despesas, prevendo um orçamento. Neste devem ser tidos em conta todos os custos ligados à acessibilidade.
  • Equipa: A equipa envolvida no planeamento e concretização do evento deve ter formação adequada para receber públicos diversificados sendo, por isso, fundamental acautelar que os vários elementos intervenientes, desde as pessoas que se encontram no secretariado do evento, à segurança, pessoal responsável pelo catering, entre outros, recebem essa formação.
  • Autonomia dos participantes: A autonomia dos cidadãos é um direito fundamental. Esta passa pela capacidade de a pessoa conseguir, de forma independente, chegar, deslocar-se e participar ativamente em todos os momentos do evento.
  • Comunicação: O ser humano é um ser naturalmente comunicativo, embora os estilos e formas de comunicar possam ser diferentes. Num evento científico, a divulgação prévia é a primeira etapa a considerar.
  • Segurança: Num evento com grande número de participantes, é fundamental ter em consideração a segurança e bem-estar de todos. Neste sentido, é necessário prever eventuais situações de emergência e a forma como os participantes serão apoiados e orientados no momento de implementação de um plano de evacuação.

Assim, tendo em conta a diversidade de públicos, estes são os principais aspetos a ter em conta, para os quais a Sónia necessita encontrar solução.

Para equacionar

Aspetos a considerar

  • Necessidades dos participantes
  • Questões orçamentais
  • Comunicação, segurança e autonomia
  • Competências da Equipa
  • Recursos, materiais e espaços

Para debater

1. Questões orçamentais…

Que itens deve a Sónia colocar neste orçamento?

2. Formação da equipa…

Que componentes incluiria nessa formação? Tenha em conta que o objetivo é proporcionar aos participantes uma experiência confortável e sem limitações, desde o momento em que têm conhecimento do evento até ao dia da sua concretização.

3. Questões de autonomia…

Para este efeito, estão previstas pessoas responsáveis para o acompanhamento dos participantes?

Imagine que um participante chega ao local do evento utilizando transportes públicos. Será que estes lhe proporcionarão as condições mais favoráveis para a sua deslocação? E se utilizar um veículo próprio, existem vagas de estacionamento reservadas?

Ao longo do dia do evento, há diversas necessidades básicas que têm de ser asseguradas, por exemplo, acesso às casas de banho, aos espaços de alimentação ou a zonas reservadas. Que fatores deverá ter em consideração na preparação destes espaços? Que sinalização vai incluir nos espaços? Que características terá essa sinalética?

4. Questões de segurança…

Quais as instruções que este plano deve conter?

5. Questões de comunicação…

Como se pode fazer essa divulgação tornando-a acessível a todos?

O evento tem uma imagem associada? Tem uma página web? Que materiais de apoio e equipamentos serão disponibilizados aos participantes?

Após o evento, há normalmente a difusão das comunicações e das conclusões. Como será feita essa difusão? Será elaborado um livro de atas? Será feita uma publicação em revista científica Quais os cuidados a ter para que estes materiais sejam acessíveis?

(…) essa equipe deve ter formação adequada para atender a todos que participem do evento. E ter em sua composição um intérprete de língua de sinais, tendo em conta que pode haver participantes estrangeiros que usam outra língua de sinais que não a do país ofertante do evento.
Suammy Cordeiro

(…) o atendimento deverá ser personalizado, assegurando-se de antemão, junto dos convidados ou dos cuidadores destes, acerca do meio de transporte utilizado, fornecendo contacto para auxílio aquando da chegada. (…) Indicar à chegada onde são os espaços utilizados no âmbito do evento e o apoio fornecido. Deverá existir sinalética em diversos formatos. A comida deverá apresentar soluções para todos. 
Nádia Lima

Para reter

1. Questões orçamentais…

Os custos inerentes à acessibilidade devem fazer parte do orçamento de um evento científico, tal como qualquer outra despesa. Além das despesas habituais, deve ter em conta a adaptação dos espaços/recursos disponibilizados, tornando-os acessíveis a todos. É importante assegurar que se incluem recursos humanos com competências e/ou formação nas áreas da acessibilidade e inclusão (ex. web designer; intérpretes de Língua Gestual; audiodescritor; tradutor-intérprete). O número de profissionais deve ser ajustado à dimensão do evento e às características da tarefa a desenvolver (ex. num evento internacional recomenda-se, pelo menos, 4 intérpretes de Língua Gestual, uma vez que existem várias línguas de trabalho e são necessários momentos de pausa).

Os custos com os materiais de apoio devem incluir a sua reprodução em multiformato (Braille, escrita aumentada, áudio, vídeo em Língua Gestual, escrita simplificada), o mesmo acontece nas comunicações apresentadas no evento. Caso os espaços não estejam preparados, é importante contemplar no orçamento as adaptações necessárias (ex. sinalização de degraus ou de outros obstáculos; rampas; casas-de-banho adaptadas).

Deve ainda ser criada uma ficha de inscrição que contemple questões acerca das necessidades específicas dos participantes, permitindo assegurar atempadamente tudo o que é necessário, evitando surpresas desagradáveis de última hora!

2. Formação da equipa…

Na formação da equipa responsável pela conferência, devem ser tidas em conta diversas componentes, nomeadamente: nomenclatura adequada (ex. pessoa com deficiência e não ‘deficiente’), serviços inclusivos disponibilizados pelo evento (ex. área reservada, vagas de estacionamento reservadas) ou estratégias de acompanhamento e comunicação (ex. criação de material em Braille). Devem ser contratadas pessoas com deficiência para a equipa que se encontra a organizar/dinamizar o evento.

3. Questões de autonomia…

A autonomia de qualquer cidadão é um direito que deve ser garantido, podendo ser necessário acompanhamento de outra pessoa (da equipa da conferência ou um assistente pessoal) ou por um animal de assistência. Por esta razão, esta possibilidade deve estar assegurada, garantindo um lugar para o acompanhante e condições para o animal (por exemplo, bebedouro). Para além disso, devem ser assegurados lugares de estacionamento para todos os participantes que deles necessitem. Essa informação deverá constar desde o início, na divulgação do evento. Sabendo que uma cadeira de rodas standard ocupa 1,20 m x 0,80 m, deverão reservar-se 50 metros quadrados. Os cuidados com a visibilidade de quem usa cadeiras de rodas também devem ser tidos em conta, pois veem numa perspetiva diferente. Assim, o ângulo de visibilidade deverá permitir que possam ver tudo, tendo como máxima a altura de 4,15 m.

As áreas reservadas a pessoas com mobilidade reduzida (ex. para momentos de pausa/descanso) devem ter condições condignas e as casas de banho adaptadas. O espaço para muda fraldas deve estar, também, contemplado. Dado que as pessoas surdas usam as mãos para comunicar deverão ser dispostas mesas mais baixas, nas zonas do coffee break, para que estes possam pousar copos sem terem de interromper a sua conversa.

4. Questões de comunicação…

Sendo a web um dos canais de divulgação deverá disponibilizar vídeos em Língua Gestual ou Língua de sinais e conteúdos acessíveis às diferentes tecnologias de apoio utilizadas em contexto web. Escrita simples e pictográfica deverá ser também uma preocupação, nomeadamente para pessoas com algum tipo de limitação intelectual. Caso exista uma imagem associada ao evento, esta deverá ser descrita e no caso de existir cor, será necessário usar o código das cores para as pessoas daltónicas. Estes cuidados deverão ter lugar tanto na divulgação do evento, como no dia do evento.

Toda a informação inerente à conferência deverá ser disponibilizada em Braille, bem como em inglês ou noutra língua oficial da Conferência, através de audiodescrição e língua gestual, nomeadamente a eventual publicação que possa advir do evento. Não descure a sinalética. Esta deve ser simples e intuitiva.

5. Questões de segurança…

É necessário que a equipa de segurança conheça as regras do evento, por exemplo, quais as pessoas que podem usufruir das áreas reservadas. Em caso de emergência, os sinais devem incluir informação visual e também sonora indicando a situação e as saídas mais próximas. Os corredores e espaços de evacuação devem ser suficientemente amplos para albergar grande quantidade de pessoas, nomeadamente as que se desloquem em cadeira de rodas, e devem ser desprovidos de degraus ou outros obstáculos.

Para consultar

Referências

Decreto-Lei n.º 163/2006 (2006, agosto 8), do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social. Diário da República, 1ª série, N.º 152, pp.5670-5689 https://dre.pt/pesquisa/-/search/538624/details/normal?q=Decreto-Lei+n.%C2%BA%20163%2F2006%2C%20de+8+de+agosto

W3C. (2008, dezembro 11). Web Content Accessibility Guidelines (WCAG) 2.0. In B. Caldwell, M. Cooper, L. G. Reid & G. Vanderheiden (Eds). World Wide Web Consortium [Website]. http://www.w3.org/TR/WCAG20/

Sugestões de pesquisa

Metro Toronto Convention Center (s.d.). A Planning Guide for Accessible Conferences.

Instituto Nacional de Reabilitação (s.d.). Acessibilidade em Conferências e Reuniões.

Prefeitura de São Paulo – Acessibilidade e Inclusão (s.d.). Guia de Acessibilidade em Eventos.

Sebrae (s.d.). Guia sobre Acessibilidade em Eventos.

Catálogo de tradutores e intérpretes (s.d). O que é necessário saber para contratar intérpretes e tradutores!

INR (s.d.). Acessibilidades