Caso 7: Urbanismo, acessibilidade e bom senso

Autores: Manuela Francisco1 e Norberto Sousa2

1 Unidade de Ensino a Distância, Instituto Politécnico de Leiria
2 ComAcesso

Referir este caso: Francisco, M. & Sousa, N. (2018). Urbanismo, acessibilidade e bom senso. In R. Cadima, I. Pereira, M. Francisco & S. Cunha (Coords.). 15 histórias para incluir. [Online]. Politécnico de Leiria: Leiria.

Para começar

A acessibilidade física consiste na possibilidade de alcançar, utilizar e interagir de forma autónoma e eficaz com qualquer espaço, objeto ou informação em suporte físico. Para que tal seja possível é necessário ter em conta os princípios do Design Universal, conceito que surgiu apenas na década de 70. Se a questão do “design para todos” é recente, a sua aplicação é morosa e tardia. Só no final do séc. XX a acessibilidade física passou a ser regulamentada em Portugal, através do Decreto-Lei n.º 123/97, revogado pelo Decreto-Lei n.º 163/2006 que “Aprova o regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais”.

Vindo reforçar a sua aplicação, a RCM nº9/2007, aprova o Plano Nacional de Promoção da Acessibilidade (PNPA), que apresenta de forma sistematizada um conjunto de medidas relacionadas com a acessibilidade física e digital, com o objetivo de proporcionar às pessoas com mobilidade condicionada ou dificuldades sensoriais, a autonomia, a igualdade de oportunidades e a sua participação social. Contudo, o Decreto-Lei n.º 53/2014 que estabelece um regime excecional aplicável à reabilitação de edifícios habitacionais com pelo menos 30 anos, prevê no seu Artº 4 a “Dispensa de aplicação do regime legal de acessibilidades

Para ler

Vasco é arquiteto e é um dos responsáveis pelo projeto de uma nova urbanização na zona norte da cidade. Como tem um irmão com paralisia cerebral e uma das suas colegas de curso usava cadeira de rodas, as dificuldades de mobilidade não lhe são indiferentes, além de que existe legislação para a acessibilidade física. Assim, uma das preocupações da equipa responsável pelo projeto é a acessibilidade, dentro e fora dos edifícios.

Sendo um projeto que começa de raiz, garantir a acessibilidade é relativamente simples, sobretudo quando se está familiarizado com algumas das barreiras existentes. Contudo, coloca-se o problema dos acessos a esta nova urbanização. A rede de transportes públicos não contempla ainda esta zona da cidade, no entanto, existe uma paragem de autocarro a cerca de 800 metros, que serve uma urbanização existente.

O Vasco fez o percurso a pé até à paragem e detetou algumas situações que podem criar problemas a alguns moradores. Da nova urbanização até à paragem é necessário descer uma rua que atravessa a velha urbanização.

Os passeios existentes têm cerca de 2 metros de largura. Até aqui tudo bem, mas…

  • os prédios existentes têm varandas, que se projetam 1 metro sobre o passeio. Apesar dos prédios terem caves altas, como existe desnível no terreno, o primeiro prédio da rua tem as varandas do rés-do-chão a cerca de 1,50 metros de altura do passeio;
  • o material utilizado nos passeios é a bela calçada portuguesa;
  • os estacionamentos perpendiculares ao passeio que é relativamente baixo (apenas com 10 cm de altura).

Para equacionar

Acesso à rede de transportes públicos

  • Problemas para quem se desloca a pé
  • Problemas para pessoas com mobilidade reduzida
  • Problemas relacionados com os materiais
  • Legislação sobre alterações do património edificado

Para debater

1. O que faria se fosse o Vasco?

Considerando que a legislação se aplica às novas urbanizações e que é difícil intervir no património edificado, que medidas tomaria?

2. Como se podem resolver situações destas?

Com ou sem conhecimentos técnicos e legais relativos a esta área, quais as soluções que considera serem as mais adequadas para situações destas?

A ideia é fazermos um brainstorming, apelando-se à criatividade, sensibilidade e bom senso.

3. Que problemas poderão ocorrer?

Considerando os aspetos detetados pelo Vasco na urbanização existente, que problemas poderão surgir aos utentes?

4. Que outros exemplos de barreiras físicas?

Já se confrontou com estas ou outras situações urbanísticas/ arquitetónicas?

Se sim, indique quais e em que medida afetaram ou afetam o acesso/percurso.

(…) A sensibilização é fundamental desde cedo mas também é fundamental junto de quem planeia, de quem constrói, de quem regula e de quem fiscaliza… Leis e regulamentos já temos em bom número, é preciso que se comece a transportar finalmente essa teoria para a prática.
Joana Esteves

(…) o sistema não tem ainda recursos para antecipar de maneira abrangente as situações problemáticas e tende a tratar os projectos seguindo o esquema do business as usual. O mais difícil de resolver é tudo o que foi feito anteriormente e que se tornou disfuncional. Seria ótimo que os orçamentos abrissem vias à inovação de modo a reinventar o “viver” nas zonas urbanizadas.
Cristiana Santos

A solução tem que passar por uma reformulação da cidade, sempre tendo em conta que se tratam, muitas vezes, de zonas consolidadas. Criar uma rede pedonal verdadeiramente inclusiva que se articule com a rede de transportes, com os equipamentos, com a cidade em geral, seria o ideal.
Joana Esteves

Para reter

Tal como foi referido no debate, os problemas relacionados com o que está edificado, constituem graves barreiras de acessibilidade aos peões.

Assim, considerando que cada caso é um caso, apresentam-se alguns aspetos da proposta do Vasco:

  • Nas entradas dos novos edifícios colocar mapas em relevo e informação a negro e em Braille sobre os acessos e percursos mais confortáveis para o comércio e estações de transportes públicos mais próximas, alertando para os obstáculos e barreiras que podem ser encontrados nos percursos.
  • Solicitar à Câmara Municipal a colocação de um murete a contornar os passeios existentes; a colocação de dispositivos eletrónicos no início da rua que enviam através de uma App informação para smartphones e bengalas eletrónicas.
  • A colocação de barras em borracha flexível nas varandas que se encontram a 1,5 metros de altura do passeio.
  • Solicitar à companhia de transportes públicos que serve a zona, a integração de mais uma paragem no percurso.

Para consultar

Referências

Decreto-Lei n.º 163/2006 (2006, agosto 8), do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social. Diário da República, 1ª série, N.º 152, pp.5670-5689 https://dre.pt/pesquisa/-/search/538624/details/normal?q=Decreto-Lei+n.%C2%BA%20163%2F2006%2C%20de+8+de+agosto

Decreto-Lei n.º 53/2014 (2014, abril 8), do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia. Diário da República, 1ª série, N.º 69, pp.2337-2340. https://dre.pt/pesquisa/-/search/25344757/details/maximized

Resolução do Conselho de Ministros N.º 9/2007 (2007, janeiro 17), da Presidência do Conselho de Ministros. Diário da República, 1.ª série, N.º 12, pp.366-377. https://dre.pt/application/dir/pdf1sdip/2007/01/01200/03660377.pdf

Sugestões de pesquisa

Legislação portuguesa relacionada com as acessibilidades físicas. https://www.oasrn.org/apoio.php?pag=tema_detalhe&id=16&num=1

Guia “Acessibilidade e mobilidade para todos” apontamentos para uma melhor interpretação do D.L. 163/2006 de 8 de agosto. http://www.inr.pt/uploads/docs/acessibilidade/GuiaAcessEmobi.pdf

Reportagem Público “sente-se na minha cadeira: a cidade não é para todos”. https://www.publico.pt/multimedia/interactivo/sente-se-na-minhacadeira?page=/&b=feature_a