Caso 2: O eLearning, os símbolos e outros desafios

Autores: Carina Rodrigues e Manuela Francisco

Unidade de Ensino a Distância, Instituto Politécnico de Leiria

Referir este caso: Francisco, M. & Rodrigues, C. (2018). O eLearning, os símbolos e outros desafios. In R. Cadima, I. Pereira, M. Francisco & S. Cunha (Coords.). 15 histórias para incluir. [Online]. Politécnico de Leiria: Leiria.

Para começar

O e-learning ou eLearning, onde o ‘e’ significa electronic, é uma modalidade de ensino que utiliza a tecnologia como veículo do processo de ensino-aprendizagem, onde são disponibilizados conteúdos digitais e desencadeadas interações recorrendo a diferentes meios (Laurillard, 2008, 2002; McGreal & Elliott, 2004). Recorrendo a ferramentas de comunicação e interação fundamentalmente assíncrona, estudantes e professor interagem em momentos diferentes não sendo necessário simultaneidade temporal e espacial.

No que respeita à inclusão e acessibilidade no eLearning, parte-se do pressuposto apontado por Berners-Lee (1997), que o grande potencial da internet é a sua universalidade, pelo que o seu acesso não deve estar vedado a nenhum cidadão. Com base nesta premissa, considera-se que para um ensino online verdadeiramente inclusivo, deve ser garantido o acesso a todos os conteúdos, interações e funcionalidades disponibilizadas na plataforma web adotada pela instituição. Porém, o processo de implementar um eLearning inclusivo e acessível é complexo. Se por um lado se adaptam conteúdos textuais com alguma facilidade seguindo as normas de acessibilidade do W3C, o mesmo não acontece com conteúdos mais complexos como a música, matemática e outros, designados por conteúdos STEM (science, technology, engineering, and mathematics).

Para ler

Sou a Maria, tenho 47 anos e sou professora de matemática. Ensinar sempre foi a minha paixão. Ainda estava na faculdade e já dava explicações a jovens do ensino básico e secundário… e sentia que tinha jeito. Assim que terminei o meu curso concorri para dar aulas e consegui entrar numa escola secundária. Andei a saltitar entre escolas pelo país. Decidi fazer doutoramento e fiquei atenta aos concursos para lecionar no ensino superior… e há cerca de 6 anos consegui… depois de muitos concursos!!!

Como adoro desafios, aceitei este ano algo completamente novo para mim – lecionar em regime de eLearning. Foi-me proposto pelo coordenador de curso lecionar uma unidade curricular de matemática no 2º semestre… ele garantiu-me que não era nada complicado. Fiquei assustada, confesso. Era tudo novidade para mim. Rapidamente, comecei a investigar sobre a forma de ensinar online, que tecnologia teria de dominar, que tipo de exercícios podia fazer, como faria com os conteúdos – só pensava em gravar aulas e fazer digitalizações.

Eram muitas as dúvidas… por isso decidi inscrever-me num curso online, um desses que agora toda a gente fala – MOOC. Achei que devia passar pela experiência de ser aluno online e perceber o que se passa “do outro lado”. Lá fiz umas pesquisas e encontrei um da Open University que parecia responder a algumas das minhas questões “Creating open educational resources”. Foi rápido e aprendi algumas coisas interessantes… até tive vergonha de ter pensado em digitalizações com tantas ferramentas que permitem criar conteúdos interessantes.

Já estava cheia de ideias. Muito segura de mim, fui falar com o coordenador para lhe explicar o que pensava fazer. Ele achou muito interessante, mas alertou-me que a turma onde iria lecionar tinha um estudante cego. Aí tudo me caiu! Entrei em pânico! Nunca socializei com uma pessoa cega quanto mais ensinar. Perguntei se havia alguém na instituição que desse formação sobre pessoas com necessidades especiais. A resposta foi negativa, mas deu-me um conselho ”Experimente falar com os outros colegas que estão a lecionar nessa turma”.

Bom, sem alguém especialista na matéria para ajudar, como haveria de fazer? E os exercícios? Como ia explicar matérias eminentemente visuais onde os símbolos predominam? Teria de aprender Braille… num mês??? Sim, estava a um mês do início do semestre!!!

 

Para equacionar

Repensar a metodologia de ensino

  • Onde se informar
  • Que estratégias adotar
  • Como abordar o aluno
  • Problema da leitura/escrita linear da matemática
  • Como preparar os conteúdos
  • Que ferramentas usar
  • Acompanhamento do percurso de aprendizagem
  • Avaliação das aprendizagens

Para debater

1. Como abordar o aluno?

A Maria só tem informação de que o estudante é cego.

Deverá obter mais informações? Será que é pertinente colocar as suas dúvidas diretamente ao estudante?

Algumas dúvidas são talvez muito básicas… “se ele não vê como usa o computador”? Ele poderá ficar ofendido ou pensar que ela é uma incompetente…

2. Que estratégias específicas para os conteúdos STEM?

Vamos tentar entrar na especificidade dos conteúdos STEM (Science, Technology, Engineering, and Mathematics) e no uso da tecnologia digital. A Maria, à semelhança de outros professores de matemática e outras ciências exatas, utiliza o software LaTeX para criar exercícios. Ou seja, os documentos já estão em formato digital, mas com muita informação visual.

Será que os leitores de ecrã conseguem ler estes ficheiros? Será que devem ser convertidos para Braille, uma vez que nem todos os cegos sabem Braille.

3. E se for outra área?

O problema da Maria é ensinar matemática a um estudante cego… mas e se fosse noutra área?

Qual seria a abordagem da Maria se tivesse de ensinar música, artes visuais, física, química…? Os desafios seriam os mesmos?

4. Como acompanhar o percurso de aprendizagem do estudante?

No caso dos exercícios que os estudantes devem resolver e enviar para correção, a Maria disponibiliza os enunciados na plataforma, os estudantes descarregam os ficheiros e imprimem. Depois dos exercícios resolvidos, os estudantes digitalizam e submetem para avaliação na plataforma de eLearning.

Será que o procedimento será o mesmo com o estudante cego? E se ele resolver os exercícios em Braille como é que a Maria vai perceber o que ele escreveu? Qual a melhor forma de acompanhar a aprendizagem deste estudante cego?

5. Como preparar os materiais e que ferramentas deve usar?

A Maria pensou em disponibilizar na plataforma de elearning capítulos de livros e exercícios digitalizados. Também ponderou disponibilizar alguns vídeos criados por ela a explicar a matéria.

Será que estes materiais são adequados para o estudante cego? O que deve fazer para que os mesmos lhe sejam úteis?

Só depois de contactar o aluno é que a Maria poderá saber quais as melhores estratégias a serem adotadas.
Cristiana Bastos

No caso do aluno cego, ele não necessita de imprimir a documentação: precisa apenas que o documento possa ser lido pelas tecnologias de apoio que ele utiliza (…) provavelmente, a Maria terá de adaptar algum material para escrita Braille (…).
Marta Costa

(…) Os cegos fazem as mesmas coisas que os demais, apenas usam técnicas diferentes. O que marca a diferença são as “técnicas” usadas e não as pessoas.
Manuel Teixeira

Para reter

Considerando que cada caso é um caso e que as soluções adotadas para uma situação poderão não ser as indicadas para outras, deixamos um possível desfecho, baseado numa situação real.

Se o estudante cego não dominar o sistema Braille, deverá ser adotada outra estratégia de comunicação, por exemplo, com recurso à tecnologia.

Atualmente existem alguns programas que permitem fazer uma leitura linear de fórmulas e gráficos, como por exemplo o MathML. Porém, para usar esta linguagem é necessário conhecer a sua estrutura e código, por parte dos docentes e por parte dos estudantes. No caso dos docentes, será mais simples uma vez que existem conversores de LaTeX – software usado por muitos docentes de matemática – para MathML e vice-versa.

No entanto, para o estudante cego, caso não tenha aprendido esta linguagem, em particular no ensino secundário, ler ou fazer exercícios em MathMl poderá exigir uma aprendizagem extracurricular, colocando-o em desvantagem relativamente aos restantes colegas.

Neste caso, e por sugestão do estudante, optou-se pelo ASCII Math por ser muito mais simples. Todos os documentos foram disponibilizados na plataforma de eLearning em versão PDF (criado a partir do LaTeX) e em versão ASCII Math. Os trabalhos submetidos pelo estudante eram realizados em ASCII Math. Contudo, a leitura linear da matemática exige mais tempo que a leitura gráfica, ou seja, é necessário ler linha a linha, ao passo que a leitura gráfica (visual) permite saltar entre linhas e ter uma visão do problema inicial ou de uma etapa específica do processo de resolução.

Sugestões para as instituições de ensino:

  • Apostar no ensino do Braille aos docentes;
  • Desenvolver ações de formação, para docentes e estudantes, relativamente ao MathML e/ou ASCII Math;
  • Dar tempo aos docentes para prepararem previamente os materiais;
  • Formar a comunidade académica relativamente à interação com diferentes perfis de pessoas e vários modos de comunicação/interação.

Para consultar

Referências

Berners-Lee, T. (1997). Realising the Full Potential of the Web. Based on a talk presented at the W3C meeting, London, 1997/12/3. [Online]. http://www.w3.org/1998/02/Potential.html

Laurillard, D. (2008). Digital technologies and their role in achieving our ambitions for education. London: Institute of Education, University of London. http://eprints.ioe.ac.uk/628/1/Laurillard2008Digital_technologies.pdf

Laurillard, D. (2002). Rethinking University Teaching: A Conversational Framework for the Effective Use of Learning Technologies. (2ª edição). London: Routledge Falmer.

McGreal, Rory & Elliott, Michael (2004). Technologies of Online Learning (E-learning). In T. Anderson & F. Elloumi (Eds.), Theory and Practice of Online Learning (5). Athabasca University.

Sugestões de pesquisa

ASCII Math (http://asciimath.org/)

LaTeX (https://www.latex-project.org/)

MathML (https://w3c.github.io/mathml/mathml.html)